TEOLOGIA - PARTE 34

Estudo Teológico Sobre Satanás Guerra Espiritual dividida em VIII Partes em 20 paginas
GUERRA ESPIRITUAL
Parte I
Introdução:
"Há dois erros iguais e contrários em que nossa raça pode cair com respeito aos diabos. Um é não acreditar na sua existência. O outro é acreditar e sentir um interesse excessivo e insalubre neles." (C.S. Lewis, Screwtape Letters, p.3)

Creio que hoje mais do que nunca se cumprem estas palavras de C.S. Lewis, temos igrejas que nem acreditam no diabo e por outro lado temos igrejas que acreditam demais no diabo. Você está em guerra, não estamos vivendo uma vida de Disneylandia espiritual, esta guerra acontece 24 horas por dia, Satanás não descansa, não tira férias, não passa mais tarde.

Hoje a Igreja vive uma diferente perseguição de Satanás, pois hoje ele está agindo dentro da Igreja. Durante muitos anos ele agiu fora da Igreja, mandando matar os cristãos, mas hoje ele está matando os cristãos com as mais variadas heresias. Pastores estão exorcizando cidades, crentes estão sendo possuídos por demônios.

"Para que Satanás não alcance vantagem sobre nós,
pois não lhe ignoramos os desígnios." (2 Co 2:11)

I - QUEM É O INIMIGO: Satanás e seus anjos

A.) Terminologia bíblica: Satanás é achado em 7 livros do A.T., e por cada autor do N.T.:

Satanás:
a.) A.T. hb. satan, "adversário" do verbo "ficar em emboscada (como inimigo); opor-se"; satã é usado 15 de 23 vezes para a pessoa de Satanás.

b.) N.T. gg. satanás é quase sempre o grande adversário de Deus e do homem - o Diabo; das 36 vezes, só três não se referem absolutamente à pessoa de Satanás. (Mt 16:23; Mc 8:33: Jo 6:70).

Diabo: gg. diábolos, 33 vezes, "caluniador, difamador".

Outros nomes de Satanás: Nos nomes vemos o caráter de Satanás:

"O grande dragão, a antiga serpente, que se chama diabo e Satanás,
"O sedutor de todo mundo" Ap. 12:9;
"Acusador dos nossos irmãos , Ap.12:10:
"Lúcifer" ou "a estrela da manhã" Is.14:12 (cf. 2 Co 11:14: anjo de luz)
"Belzebu" maioral dos demônios - Mt 12:24
"Maligno" Mt 13:38
"Belial" - "sem lei; anárquico; desordenado" 2 Co 6:15
"Tentador" - Mt 4:3; 1 Ts 3:5
"Inimigo" Mt 13:28,29
"Homicida" Jo 8:44
"O Pai da mentira" Jo 8:44
"O deus deste século" - 2 Co 4:4
"O Príncipe da potestade do ar" Ef. 2:2
"O Príncipe deste mundo" Jo 14:30; 16:11
"O Abadom" (Hb); "Apoliom" (gg) Ap. 9:11
destruidor; exterminador" (Abadom = sheol ou hades 3 vezes; a morte 2 vezes; provavelmente aqui "o anjo do abismo", o rei dos demônios.
Demônios, gg. daímon 5 vezes: daimónion 60 vezes vb. daimonízomai 13 vezes: fora de 10 vezes, todos os usos ficam nos Evangelhos. Geralmente = seres espirituais e maus (às vezes, deuses dos pagãos); provavelmente os demônios sãos os anjos de Satanás que caíram com ele.

Os demônios tem personalidade; inteligência (2 Co 11:3); vontade (2 Tm 2:26); emoções (Ap 12:17)
Eles sabem da sua condenação
(Mt 8:29; Lc 8:28-31)
Alguns já estão encarcerados no abismo e alguns destes serão libertados na grande tribulação
(2 Pe 2:4; Jd 6; Ap 9:14; 16:14: Lc 8:31, etc.)
Eles conhecem a Jesus (Mt 8:29: Mc 1:24)
Eles tem suas doutrinas e promovem doutrinas falsas (1Tm 4:1-3)
Podem habitar em homens e animais (Mc 4:24; 5:13)
Eles podem causar doenças (Mt 9:33; cf. Jo 2:7)
Alguns poderosos enganam as nações
(Dn 10:13; Ap 16:13,14; Is 24:21)

B. Caráter e Atividade de Satanás:

1.) A pessoa de Satanás (Ez 28:12,17; Is 14:12-15)

No mundo antigo, um rei freqüentemente foi deificado e visto como o mediador entre a sua cidade-país (i.é., Tiro, Babilônia, Roma) e o deus nacional. Nestas passagens, os profetas falam não somente ao rei, mas ao deus-espírito atrás do rei.
Satanás foi criado "querubim da guarda ungido, o sinete da perfeição, formoso, poderoso, mas finito.
Ele caiu por causa do orgulho (Is. 14:12-14; Ez 28:15-17 cf.. I Tm 3:6)
O que Satanás tem, é dado, permitido e limitado pelo Deus soberano.
"O Diabo acha que ele está livre; mas ele tem um freio na boca e Deus segura as rédeas"(B.B. Warfield).

2.) Posição de Satanás:

Ele ainda tem acesso ao trono de Deus.
(Jo 1:6; 2:1; Zc 3:1-6; Lc 22:31; Ap 12:7-10)
Ele reina sobre a hierarquia dos demônios.
(Mt 25:4; Ef 6:12: Ap 12:7)
Ele reina sobre este mundo.
(Lc 4:5,6; 2 Co 4:3;4; Ef 2:1-3; I Jo 5:19-20)
3.) Atividade do Diabo e seus anjos:

Tentar: (Gn 3:1; Mt 4:11; 16:23; Lc 22:31; At 5:3; I Co 7:5; I Tm 3:6,7; I Jo 2:16)
Confundir, enganar, contrafazer, imitar ( I Co 10:20; 2 Co 4:3,4; 11:13-15 (anjo de luz); 2 Ts 2:9; Ap 16:13s; 20:3)
Destruir - (Lc 8:12 (tirar a Palavra); I Pe 5:8; Ap 12:13-17)
Habitação: "possessão demoníaca" não comunica bem o conceito do gg. daimonizomenos (Mt 15:22) = "endemoninhado", que é um estado de passividade humana causada pelos demônios; o controle de alguma forma dum demônio (cf. Mt 12:22-28, 43-45)
Especificamente contra os cristãos: tenta-os a mentir (At 5:3); à imoralidade (1 Co 7:5); semeia o joio para enganar e atrapalhar (Mt 13:38s; 1 Ts 2:18); perseguição (Ap 2:10); difamação e calúnia (Ap 12:10); cria problemas físicos (2 Co 12:7-10)
Qual a diferença entre Opressão Satânica e Possessão Demoníaca?

Possessão é Demoníaca e Opressão é Satânica:

Na Possessão a vítima é dominada pelo demônio, corpo, alma e espírito.

O crente que estiver andando com Deus em fé e obediência não pode ser possuído de um espírito demoníaco, cf: (Ap 3:20; Rm 12:1;2; II Co 5:17; Jo 3:3-5; Ef 1:13-14; Jo 14:23-30; Jo 14:16; II Co 2:16: 12-13; 1 Co 3:16-18; 1 Co 6:19-20; Rm 8:9-10; 1 Jo 5:19; Jo 14:30).

Opressão - todos os cristão são alvos de Satanás para cairmos numa vida de pecado, por isso muitos cristãos podem sofrer, cf. (E 6:13; Tg 4:7)

Obsessão demoníaca - é um ataque mais intenso de ataque demoníaco (II Co 12:7-10)

II - QUEM É O VENCEDOR? O poder do Sangue de Cristo

A.) O que Cristo fez na cruz: 17 cumprimentos

"Porque Jesus Cristo é Deus e homem, a Sua morte na cruz tem valor infinito para todos que crêem" (F.Schaeffer)

Substituição: Ele morreu no nosso lugar (Lv 1:4; Mt 20:28; Tm 5:6-8; 2 Co 5:15-21; 1 Pe 3:18)
Redenção: pagou o preço para libertar-nos (At 20:28; Rm 3:24; Ef 1:7; 1 Pe 1:18-19)
Propiciação: satisfez a ira santa de Deus contra os pecados (Rm 3:25; Hb 2:17; 1 Jo 2:2)
Reconciliação: o homem pode ser amigo de Deus (Rm 5:10,11; 2 Co 5:18-21; Ef 1:10; 2:16)
Justificação: a justiça de Cristo é imputada a nós (At 13:39; Rm 3:19-26; 5:9; 8:30,31; 2 Co 5:21; Ef 1:4)
Base do perdão dos pecados antes da cruz (Rm 3:25; Hb 9:15; 10:1-14)
O fim da lei Mosaica; agora há "a lei de Cristo", a lei do Espírito. Rm 3:19-28; 6:14; 8:2-4; 10:4; 13:8s; 2 Co 3:6-17: Gl 3:19-25; Fp 3:3; Cl 2:14; I Jo 3:23)
Base da adoção como filhos e herdeiros maduros - Rm 8:14-17; Gl 3:23-26; 4:1-7.
Base da obra do Espírito Santo em nós - Jo 3:1-7; 16:8-11; I Co 12:13; Ef 1:13-14; 4:30; 5:18)
Base da santificação - posicional e experimental - I Co 1:2; 6:11; Ef 5:26-27; I Ts 4:3; I Pe 1:15-16.
O juízo da natureza pecaminosa: quebrou o poder controlador do pecado; podemos viver vidas que agradam a Deus. Rm 6:1-14; Gl 5:13-25.
Base do perdão dos pecados do crente: filhos que caem da comunhão com Deus devido ao pecado. Rm 8:1s; I Jo 1:7; 2:2.
Jesus é o primogênito do processo da morte, ressurreição, ascensão e glorificação que nós seguiremos (I Co 15:12-23; Cl 1:18; I Ts 4:13-17: Hb 2:9-15; I Jo 3:1,2.)
Base da redenção da natureza. Rm 8:18-22; Is 65:17-25; Ap 21:1s.
Base da purificação das coisas no céu - Hb 9:22-24 (cf. 8:1-5; 9:11)
A cruz é a base do juízo dos incrédulos - o dom da salvação rejeitado - Jo 16:8-11, cf. Jo 3:14-18,36; 2 Ts 1:6-11; Ap 20:11-15.
Na cruz, o pecado, a morte e Satanás foram vencidos:
o pecado - I Jo 5:18-19; cf. n.11 acima
a morte - Jo 5:24-27; I Co 15:55-57; Hb 2:14-15; Ap 20:14
Satanás e os demônios - Jo 12:31-33; Hb 2:14,15; Ap 20:10
B. Os Juízos de Satanás e seus anjos:

Satanás e os anjos perderam sua posição no céu (Ez 28:16)
Ele foi julgado profeticamente no jardim do Éden
(Gn 3:16)
Cristo veio a primeira vez para destruir as obras do maligno. (I Jo 3:8; 5:18; Cl 2:14,15)
Quando Cristo voltar, Satanás receberá um castigo temporário dum mil anos no abismo (Ap 20:1-3)
No fim do milênio, no juízo final, Satanás e os seus anjos serão lançados no lago de fogo e enxofre para eternidade. (Ap 20:10)

III - COMO DEVEMOS LUTAR?

Três passos à vitória

A. Observações Iniciais:

1.. Satanás é feroz: "A razão pela qual muitos cristãos falham por toda vida é esta: eles sub-estimam o poder do inimigo. Temos um inimigo terrível com quem temos que lutar. Não deixa Satanás nos enganar. Pois assim estaremos mortos! Isto é guerra. Quase tudo que nos rodeia (neste mundo) nos desvia de Deus. Não saltamos do Egito ao trono de Deus num pulo só. Há um deserto, uma viagem, e há inimigos na terra." (D.L.Moody, cf. I Pe 5:8)

2.. Satanás é finito: não é onipotente, onipresente ou onisciente. Geralmente, no sentido direto, o diabo e os seus demônios não nos tentam diariamente. Claro, o mundo está controlado espiritual e moralmente por satanás. Mas tentação vem principalmente da nossa própria carne: cobiça, orgulho, concupiscência, falta de auto-controle, etc. (Tg 1:13-16; 4:1-8)

3.. Satanás e os demônios são limitados por Deus. O Senhor os permitem ser ativos, mas a graça que restrita não deixa-os fazem tudo que quiserem (Jó 1:6 , 2:7; Lc 22:31; 2 Co 12:7-9). Em qualquer situação. "...Deus é fiel, e não permitirá que sejais tentados além das vossas forças... (mas) com a tentação vos proverá livramento..." (I Co 10:13). Cristo, nosso Sumo-Sacerdote, constantemente intercede por nós - Jo 17:15; Hb 7:25: I Jo 2:1-2.

Passo Um: Pureza

1. Cristo adquiriu nossa pureza na cruz. Apesar de falhas nas nossas vidas - das quais satanás gosta de nos acusar (Zc 3:1-5; Ap 12:10) - somos posicionalmente puros, vestidos na justiça de Jesus Cristo. Satanás não pode tocar nossa salvação, nem nos separar do amor de Deus (Rm 8:38,39); temos uma posição de aceitação e autoridade em Jesus Cristo. (Rm 8:1; Ef 1:6)

2.. Mas devemos buscar a santidade, experimentalmente realizando Sua chamada alta. O pecado na vida nos destrói, abrindo a porta para opressão.

Seja santificado pela Palavra - Jo 17:17: 2 Tm 3:16
Confessar e renunciar tudo na nossa vida contra Deus - Ef 4:27; I Ts 4:3 cf. Êx 20:4-6.
Nada disponhais para a carne - Rm 13:12-14
Chegai-vos a Deus - Tg 4:8

Passo dois: As armas de Deus

1.. Revesti-vos de toda a armadura de Deus, cada peça tem propósito para lutar, e sugere como satanás ataca.

o largo cinto da verdade
a couraça da justiça
calçai os pés com a preparação do evangelho
o escudo da fé
o capacete da salvação
2. A espada do Espírito = a Palavra de Deus (Mt 4:4)

3. O poder conquistador da oração:

no nome de Jesus - Jo 14:13,14'; 15:7;16; 16:23-27
com consciência pura - Tg 4:2,3; 5:16; I Jo 3:21s.
poder do Espírito Santo - Rm 8:26s; Ef 6:18; Jd 20s
com fé - Hb 11:1-6; Mc 11:22-24; Tg 1:5-8; 5:14,15
com perseverança - Ef 6:18; Cl 4:2; Lc 11:5-10
às vezes com jejum - At 13:2-3; 14:23; Mc 9:29

Passo três: Como Vencer Satanás e os demônios

1.. Seja sempre sóbrio e vigilante - 1 Pe 5:8-9a

2.. Quando você confrontar a presença satânica, não seja tolo. Tome cuidado - Jd 9; 2 Pe 2:10s; At 19:12-17

3.. Reconheça a sua autoridade em Jesus Cristo - Lc 9:1; 10:1-20; At 5:16; 8:7; 16:16-18; I Jo 4:4; Mc 16:17.

4.. Também; os demônios crêem e tremem - Tg 2:19

5.. Imediatamente, no nome de Jesus, peça que o Senhor quebre os poderes de Satanás e os demônios e limpe a situação. Lembre-se que o Sangue de Cristo é a prova que Satanás foi conquistado na cruz, e que o seu juízo foi selado.

6. Em casos graves, ache outros irmãos logo que possível. Junte-se com eles para orar e resistir ao maligno. Não tente exorcizar ou confrontar sozinho um demônio, exceto quando é difícil de achar ajuda. Nos casos de habitação demoníaca, seria sábio em procurar líderes cristãos que tem experiência nisso. Entretanto, você, bem preparado, pode exorcizar sozinho.

7. "Sujeitai-vos pois à Deus, resisti ao diabo, e ele fugirá de vós"(Tg 4:7)

"Eles, pois o (Acusador) venceram por causa do sangue do Cordeiro e por causa da palavra do testemunho que deram, e mesmo em face de morte, não amaram a própria vida".


Parte II
O DIABO EXISTE
A existência de Satanás é ensinada em sete livros do Antigo testamento - Gênesis, 1 Crônicas, Jó, Salmos, Isaías, Ezequiel e Zacarias, bem como por todos os autores do Novo Testamento e, principalmente, por Jesus. Das vinte e nove passagens sobre o diabo nos Evangelhos, vinte e cinco são citações do próprio Senhor Jesus.

A partir de relato bíblico sabemos que Satanás tem características de uma personalidade, podendo falar e planejar, sendo tratado sempre com pronomes pessoas e sendo apresentado como um ser moralmente responsável, Jó 1.6-12; Mateus 4.1-12 e Apocalipse 20.10.

A Bíblia registra a atuação do inimigo na realidade experiencial da humanidade desde os primórdios da humanidade, Gênesis 3.1; 4 e 13. É bem verdade que o nome diabo não aparece no texto. No original a palavra é "serpente", que é traduzida em outras passagens como "o acusador". Sabemos que o ocorrido em Gênesis 3 foi atuação do diabo quando comparamos a narrativa com a sua atuação na tentação de Jesus, registrada em Mateus 4.1-11, pois a estratégia foi a mesma; concupiscência da carne, concupiscência dos olhos e soberba da vida.

Na verdade, a Bíblia se refere a Satanás como um ser espiritual criado por Deus. Até Gênesis 3, o Texto Sagrado assevera que toda a criação era muito boa, Gênesis 1.31, o que inclui os anjos maus que um dia foram como os bons, mas pecaram e perderam o privilégio de servir a Deus. Isto significa dizer que mesmo no mundo espiritual criado por Deus não existiam os demônios, que são anjos que pecaram e que se tornaram maus e que hoje continuamente praticam o mal no mundo.

Satanás é descrito no Texto Sagrado como o ser angelical que, movido por soberba e desejo de usurpação, se rebelou contra Deus, mas que antes do pecado esteve presente no Éden, o Jardim de Deus, sendo considerado como o "selo da perfeição" e "perfeito em formosura", que "vivia no monte de Deus" e que era "querubim da guarda ungido" pelo próprio Deus.

A despeito de todas estas qualidades, achou-se iniqüidade em seu coração e o seu interior se encheu de violência e de pecado, o que o levou a ser expulso da presença de Deus e lançado sobre a Terra e tornado em cinza diante dos olhos dos que o contemplavam, como lemos em Ezequiel 28.1-3 e 11-20, que por inferência hermenêutica e consenso teológico é admitida como sendo a mais objetiva narrativa sobre a criação e destituição do diabo. O texto na realidade fala de Itabol II, rei de Tiro, mas apresenta as mais precisas informações sobre Satanás.

Outros textos ricos em informações sobre o diabo e sua queda são Isaias 14.3-23, em uma profecia contra a Babilônia, mas que é, na verdade, uma alusão clara a Satanás, e 2 Pedro 2.4, juntamente com Judas verso 6 e Apocalipse 12.7-11, que confirmam a queda e o abismo espiritual dos demônios, Mateus 25.41, visto que depois da queda Satanás constituiu-se em inimigo de Deus e tornou-se um mentiroso, o pai da mentira conforme Jesus, procurando sempre matar, roubar e destruir as obras e as criaturas de Deus, João 8.44 e 10.10.

Satanás, que significa adversário, é o nome mais usado para se referir ao diabo na Bíblia, aparecendo 52 vezes. Depois vem o termo diabo, derivado do Diábolos, que significa acusador ou caluniador, que é usado 35 vezes. Também vemos aparecer nomes como maligno, inimigo, grande dragão, Belzebu, serpente, Belial, homicida, pecador e tentador, ou expressões como "o príncipe dos demônios", "aquele que está no mundo", "o deus deste século", "o enganador de todo o mundo", "o príncipe das potestades do ar", "o poder das trevas" e "o espírito que opera nos filhos da desobediência", Mateus 4.3, 12.24 e 27, 13.19 e 38-39; Marcos 3.22; Lucas 11.15 e 19; João 8.44; 2 Coríntios 6.15; 1 Tessalonicenses 3.5; 1 João 2.13, 3.8 e 12 e 5.18; 1 Pedro 5.8 e Apocalipse 12.3 e 9.

Todos estes nomes indicam um pouco do caráter e da atividade do diabo que, como indica os seus nomes, está empenhado na oposição a Deus e à obra de Cristo, juntamente com os demônios que realizam seu trabalho no mundo e infligindo tentação, engano e as mais diversas doenças a fim de impedir o progresso espiritual do povo de Deus.

Em Efésios 6.10-20, o Texto Sagrado assevera sobre a confrontação com os principados e potestades, ou seja, com os demônios, quando o apóstolo Paulo alerta a igreja sobre a necessidade do revestimento da armadura de Deus para o combate. O texto fala das "ciladas do diabo", vs. 11, onde ciladas, methodeías no original, pode significar a astúcia, os planos, os esquemas ou os estratagemas que visam destruir a igreja.

Vemos também que há uma luta, ou seja, uma disputa que exige preparo, força e coragem. Não podemos sair de peito aberto, sem o devido preparo, para o confronto. Lutamos contra principados e potestades. Principado é uma espécie de autoridade superior sobre grandes regiões e muitíssimos seres e potestades são autoridades subordinadas que exercem funções específicas.

Lutamos contra os dominadores deste mundo, kosmkrátoras, que é a figura é de um governante mundial que se auto-arroga o deus salvador, mas que atua motivado pela malignidade de suas intenções. Também lutamos contra as hostes espirituais da iniqüidade, que são seres espirituais malignos que constituem as forças do mal, que metaforicamente retratam um exército opositor liderado pelo próprio maligno, o diabo.

Destas passagens e seus ensinamentos, concluímos que o diabo existe e que está atuante no mundo, habitando nos lugares celestiais, mas também rodeando a terra e os filhos de Deus, exercendo o controle geral sobre o sistema mundano, Zacarias 3.1 e 1 Pedro 5.8. Duvidar da sua existência é o mesmo que desacreditar da Palavra de Deus.

Parte III
NOSTRADAMUS
Profeta de deus ou do diabo?
A verdadeira profecia é a Palavra de Deus, a Bíblia Sagrada. Sabemos que "toda Escritura é divinamente inspirada e proveitosa para ensinar, para repreender, para corrigir, para instruir em justiça, a fim de que o homem de Deus seja perfeito e perfeitamente preparado para toda boa obra" (2 Tm 3.16-17). O que Deus nos revelou a respeito do fim de todas as coisas é a porção ideal para o nosso entendimento. É claro que todos desejamos saber mais, conhecer mais, nos aprofundar mais nos mistérios do Altíssimo. Mas o que não está revelado pertence a Deus.

De quando em vez ressuscitam as Centúrias de Nostradamus e divulgam suas profecias sobre os tempos do fim. Quem foi esse homem? Por que suas premonições continuam sendo lidas e analisadas por quase 500 anos?

Michel de Notredame (ou Nostredame), conhecido como Nostradamus, nasceu em 14 de dezembro de 1503 em Saint-Rémy (França), e faleceu em 2 de julho de 1566. Além de haver exercido a Medicina, estudou Filosofia, Astronomia, Astrologia e Alquimia. Seu filho Michel de Nostradamus também era astrólogo. Suas predições foram publicadas em 1555 com o título Centúrias (quadras em grupo de cem), escritas em linguagem metafórica, de difícil interpretação. Atribui-se a ele haver predito a morte de Henrique II, Rei da França de 1519 a 1559; há indícios de que conhecia a lei da gravidade antes de Newton, e de que sabia da existência dos planetas Urano e Netuno; teria ele descrito com antecedência de 400 anos os satélites de comunicação ("cães que ladravam no céu") e o surgimento dos automóveis ("carroças que andam sem cavalos").

Os admiradores de Nostradamus esperavam para julho ou agosto uma grave convulsão no planeta: talvez um terremoto de proporções gigantescas; talvez uma terceira guerra mundial com bombas atômicas. Alguma tragédia espetacular deveria ter acontecido em razão da seguinte profecia de Nostradamus:

"O ano de 1999, no sétimo mês. Do céu virá um um grande rei do terror. Ressuscitará o o grande rei de Angoulmois. Antes, depois, marte reinará por sorte".

Ou, em linguagem mais popular:

"No ano de 1999 e sete meses, do céu virá o rei do terror. Ele fará viver o grande conquistador. Antes e depois da guerra, reinará com felicidade".

A verdade é que nada de novo aconteceu nem em julho nem em agosto deste ano (1999). A Terra continuou girando ao redor do Sol e em torno do seu eixo, e a lua girando ao redor da Terra; não houve nenhuma convulsão social; nenhum acontecimento catastrófico foi registrado. A única ocorrência forte, em agosto, foi o terremoto na Turquia, em que milhares de vidas foram ceifadas. Mas tremores de terra não chegam a ser mais uma novidade. Nostradamus falhou nas suas previsões. Vejamos o que diz a Palavra sobre o assunto:

"Porque a profecia nunca foi produzida por vontade de homem algum, mas os homens santos de Deus falaram inspirados pelo Espírito Santo"(2 Pe 1.21).

"Não deixem que no meio do povo haja adivinhos ou pessoas que tiram sortes; não tolerem feiticeiros, nem quem faz despachos, nem os que invocam os espíritos dos mortos. O Deus Eterno disse também:Se um profeta tiver o atrevimento de dar uma mensagem em meu nome, quando eu não tiver dito nada, ou se falar em nome de outros deuses, deverá ser morto. Mas vocês vão ficar pensando assim: Como é que vamos saber que aquilo que o profeta diz não é mensagem do Deus Eterno? Fiquem sabendo que, se um profeta falar em nome de Deus, mas se o que disser não acontecer, então o que disse não foi mensagem de Deus.Esse profeta foi atrevido,e vocês não precisam ter medo dele" (Dt 18.10,1120-22 - A Bíblia na Linguagem de Hoje).V. também Jeremias 28.9.

Nostradamus não foi um profeta de Deus, pelas seguintes razões:
1) Falhou o seu vaticínio sobre um acontecimento catastrófico em julho deste ano, ou no dia 11 de agosto como muitos sugeriram, em razão do eclipse solar. Ora, o modo simples, fácil e mais lógico para sabermos se a profecia tem origem divina, é verificar o seu cumprimento. As profecias que se não cumprem não são de Deus. São obras do engano. Nenhuma "nova" profecia deve ser aceita se contrária à Palavra de Deus. O padrão é a Palavra. A verdade é a Palavra.

2) O padrão da verdade deve ser sempre a Palavra de Deus. A verdade revelada nas Escrituras é o único caminho para conhecermos o futuro. O que passar disso não vem de Deus. Vem do maligno. As profecias bíblicas se cumprem porque os homens santos de Deus falaram sob inspiração do Espírito Santo.

3) A predição de Nostradamus fala de um "rei do terror", que reinaria "com felicidade", ou seja, seria um rei vitorioso. O mal sairia vitorioso da grande batalha. Esse monstro e grande governador tem tudo a ver com o Anticristo, que será esmagado - ele e seus comandados - na batalha do Armagedom. Neste ponto Nostradamus também mente porque atribui vitória ao "homem feroz de cara".

4) Somente Deus sabe a hora, dia, mês e ano em que a Igreja será arrebatada (Mt 24.36, 44). Este será o passo inicial para os demais acontecimentos escatológicos. Retirada a Igreja da Terra, o campo ficará livre por um breve período para as atividades do monstro.

5) Nostradamus era estudioso da Astrologia, prática condenada por Deus: "Levantem-se agora os astrólogos, que contemplam os astros, os que nas luas novas prognosticam o que há de vir sobre ti [sobre Babilônia]. Certamente são como restolho; o fogo os queimará" (Is 47.13-14). "Os videntes se envergonharão, e os adivinhadores se confundirão" (Mq 3.7). Além disso Nostradamus era versado em Alquimia, prática que oscilava entre a ciência e misticismo.

6) Não nos deve surpreender o fato de Nostradamus haver citado Urano e Netuno em suas premonições, antes da descoberta desses planetas, em 1781 e 1846; nem de haver conhecido a lei da gravidade, antes do físico Isaac Newton. Lembram-se do que o Diabo afirmou através de uma musiquinha? Vejam:

"Eu nasci há dez mil anos atrás, e não tem nada neste mundo que eu não saiba demais".

7) Satanás e seus demônios conhecem os fenômenos meteorológicos, as ondas eletromagnéticas, a lei gravitacional, a posição dos astros. Eles povoam os espaços siderais (Ef 3.10; 6.12).

8) As Centúrias de Nostradamus não foram escritas sob a inspiração do Espírito Santo. Suas atividades de adivinho, astrólogo e alquimista, eram incompatíveis com a divina missão de um profeta de Deus. Os profetas são homens "santos de Deus". Deus não elevaria à condição de profeta um homem que procurava respostas nos astros. A Astrologia, associada ao Espiritismo e ao ocultismo, é prática condenada na Bíblia.

A mentira, o engano, o embuste, a trapaça pertencem ao Diabo. Na qualidade do maior inimigo de Deus e dos homens, ele tem prazer em apresentar uma versão do fim do mundo diferente da que ensinam as Sagradas Escrituras. A Bíblia tem uma palavra para Nostradamus: "Vós pertenceis ao vosso pai, o Diabo, e quereis executar o desejo dele. Ele foi homicida desde o princípio, e não se firmou na verdade, pois não há verdade nele. Quando ele profere mentira, fala do que lhe é próprio, pois é mentiroso e pai da mentira" (Jo 8.44).

Parte IV
É TRAMBIQUE!...
"Acautelai-vos, que ninguém vos engane..." (Mt 24.4)

Quando ainda seminarista, conheci o falecido Rev. José Lins de Albuquerque, pastor de uma igreja batista na cidade do Moreno, em Pernambuco. Conversávamos sobre certos espertalhões que aparecem nas igrejas evangélicas com cara de piedade, olhos de santidade e lábios de mentira. O experimentado obreiro disse-me que se o sabido viesse pela manhã, ele o convidava para o almoço; se viesse à noite, para jantar depois do culto. No jantar, ele o desmascarava.

Certa ocasião, um desses enganadores foi convidado pelo Pr. Lins de Albuquerque para uma refeição. À mesa, pediu-lhe que orasse. O homem gaguejou: "Deus... Deus... Deus..."; "Deus... Deus... Deus..." Todos olharam para ele. Meio sem graça, disse o finório: "Desculpem... Não é que eu esqueci o diabo da reza!..."

CASO 1: "DIABO LOURO"

Aconteceu no fim dos anos 70. Eu era pastor da Igreja Batista da Concórdia, no Recife. Num domingo pela manhã, apresenta-se à porta do Gabinete Pastoral um homem de meia idade, forte, cabelos grisalhos, vestindo terno com gravata. Pergunta se sou o pastor e pede licença para entrar.

Sentou-se, e me disse: "O senhor não me conhece, mas eu sou o ex-Diabo Louro. Antes fui um criminoso, hoje sou salvo pelo sangue de Jesus, sou caminhoneiro e pregador da Palavra. Mostrou-me inúmeras fotos tiradas em igrejas de diversas denominações (Assembléia de Deus, igrejas batistas, Casa da Bênção, etc).

"Fizeram comigo o que eu costumava fazer com os outros antigamente: roubaram-me tudo. Cheguei ontem com uma carga para ser entregue à transportadora, mas estava fechada porque era à tarde. Resultado: não entreguei a carga, não recebi meu dinheiro, e desde ontem que não me alimento. Quero pedir ao irmão que me empreste algum dinheiro para poder almoçar e jantar hoje, e tomar o café da manhã. Entrego a carga amanhã cedo na empresa, e venho trazer o dinheiro".

Pastorzinho novo, com o coração tocado, procurei o tesoureiro, pedi-lhe algum dinheiro (como 50 reais de hoje), e passei-o para o "irmão".

Passou a semana, o domingo seguinte, e a outra semana também. No seminário, os colegas conversavam sobre esse mesmo cidadão que teria estado na Igreja Batista da Rua Imperial, na de Afogados, do Zumbi, e outras tantas. Em algumas, o pastor até fizera uma coleta durante o culto, repassando-a ao espertalhão.

Depois de dois meses, ocorreu-me um caso perfeito de dèja vu. "Num domingo pela manhã, apresenta-se à porta do Gabinete Pastoral um homem de meia idade, forte, cabelos grisalhos, vestindo terno com gravata. Pergunta se sou o pastor e pede licença para entrar".

- "O senhor é o pastor? Posso entrar? O senhor não me conhece..."
- "Conheço, sim, o senhor não é o ex-Diabo Louro? Veio trazer o dinheiro que pediu emprestado?"

Ele havia esquecido que estivera lá anteriormente. Ficou sem jeito, mas não perdeu a esportiva:

- "Não, mas trarei esta semana..."
- "Não precisa trazer mais! Não vou ficar mais rico se trouxer ou mais pobre se não trouxer... Mas não volte mais aqui, nem vá às igrejas porque os pastores se comunicam, e todos já sabem acerca do senhor"

Sem se dar por vencido, arrematou: "Pastor,o senhor não quer que eu dê um testemunho no culto?"

CASO 2: O EXECUTIVO DE MISSÕES

Esse me aconteceu em Salvador, na Igreja Batista Sião, onde sou pastor. Foi por volta de 1994 ou 95. Numa sexta-feira, à tarde, minha secretária me telefona dizendo que um missionário havia me procurado na igreja, afirmando ser irmão de alguém que fora meu colega no seminário onde fiz mestrado nos Estados Unidos. Deixara o telefone do hotel onde estava hospedado no Porto da Barra (em Salvador). Não lembrei de qualquer colega que tivesse o mesmo sobrenome desse missionário.

No dia seguinte (sábado), pela manhã, recebi um telefonema em casa: era o "missionário". Pediu-me que fosse ao seu encontro no hotel, pois necessitava falar comigo. Fui.

Em lá chegando, já me esperava no terraço de um hotel de baixa categoria. Fiquei desconfiado, mas cumprimentei-o, e nos sentamos numa das mesas para conversar.

Procurei lê-lo. Trajava uma roupa meio de malandro, portava uma agenda e tinha
uma cara de esperto. Falava um inglês perfeito com sotaque que me pareceu jamaicano ou caribenho. Apresentou-se como um dos diretores de uma Missão Evangélica interdenominacional estabelecida na Guiana, cujo propósito era ajudar igrejas na região do Caribe e Norte da América do Sul. Disse-me ter vindo ao Brasil para visitar igrejas no Amazonas, Ceará, Pernambuco e havia chegado à Bahia. Minha desconfiança aumentou, porque que teriam os estados do Nordeste com a organização que se propunha a ajudar estados do Norte? Relatou-me, ainda, que sua Missão enviara cerca de 25 mil dólares para ajudar uma igreja batista dissidente de Manaus. E ele descobrira que o pastor (bem conhecido do Brasil evangélico) havia comprado um automóvel Omega, da GM, topo de linha na época.

Viera ao Ceará, passara por Pernambuco, e na viagem de ônibus do Recife a Salvador fora furtado. Levaram todos os seus documentos e mais 23 mil dólares. Minha desconfiança já estava no limite, e eu me perguntava porque alguém que carregava tanto dinheiro não viera de avião (cinqüenta minutos de viagem, apenas).

A agenda era aberta de vez em quando. No entanto, ele a colocava de tal modo que eu não podia ler o que estava escrito. Finalmente, percebi que a agenda era em português. Estranhei. Podia ter sido, porém, um presente de algum brasileiro, quem sabe. Engoli essa.

Aí veio o golpe. Disse-me que ligara para o pai, que ficara de lhe enviar dinheiro. Como não tinha qualquer documento, pedia-me que lhe dissesse o Banco, Agência e Número da minha conta para que o dinheiro fosse transferido para ela. Quando a importância chegasse, eu iria com ele ao banco, sacaríamos o dinheiro, descontaríamos as despesas, ele daria uma oferta à igreja, e levaria o restante do dinheiro. É natural que não fiz o que pedia.

Voltando à casa, liguei para um irmão da igreja, que é delegado de polícia, que se comunicou com a titular da Delegacia especializada em Turismo, a qual enviou dois agentes policiais ao hotel. O "missionário" já era procurado pela polícia.

CASO 3: O PETROLEIRO

Cerca de três ou quatro meses depois deste incidente, recebo um telefonema de um pastor de uma igreja congregacional em Juazeiro (BA). Disse-me que havia aparecido na sua igreja um moço angolano, que dizia trabalhar numa plataforma da Petrobrás, e afirmava ser noivo de uma jovem da igreja que pastoreio, a Igreja Batista Sião. O moço "petroleiro" precisava de ajuda.

Disse o pastor que ele fora roubado na viagem de Salvador a Juazeiro, mas já havia se comunicado com os colegas do escritório, que lhe enviariam dinheiro. Como não tinha documentos... E nesse ponto, repetiu-se toda a história acima.

O pastor queria confirmar se ele era de confiança, suposto noivo de uma suposta
ovelha, e se podia fornecer-lhe a própria conta bancária para a remessa dos fundos.

Contei ao pastor o acontecido comigo, a coincidência do incidente e da solução proposta. A descrição do tipo físico encaixava na mesma personagem da minha história. Disse ao pastor que chamasse a polícia.

CASO 4: O "RECIFENSE"

Esse foi também em Sião. Apareceu-me no horário da Escola Bíblica um homem que disse ser do Recife. Seu sotaque era acentuadamente do Sudeste, carioca com quase 100% de certeza.

Sem dizer que sou procedente da capital pernambucana, perguntei-lhe de que igreja era membro. Respondeu que da Igreja Batista da Mangueira (existe, é verdade, o bairro da Mangueira naquela cidade, mas não igreja com esse nome). "Quem é o pastor da igreja?" "Pastor Oliveira", respondeu (o pastor da igreja que fica na Mangueira não tem esse nome). Dava para ler que era trambique.

Disse-lhe que conversaríamos depois do Culto, e pedi a um irmão muito leal ao pastor e à igreja que cuidasse dele.

Daí a sete ou oito minutos, volta o irmão. "Cadê o homem?", perguntei. "Deixei-o na Classe Gideão. Se ele se meter a besta, tem oitenta homens lá..." Enfatizou o zeloso ordenança.

Após o Culto, o "Recifense" me procurou:
- "Então, vai me ajudar com a passagem?"
- "Meu amigo", disse-lhe, "estive pensando nas suas informações, e nunca ouvi falar na igreja que você mencionou, nem no pastor"
- "E o senhor conhece Rêcífe"

(Isso já me deixou ainda mais desconfiado, pois os recifenses se referem a "o Recife, do Recife, no Recife para o Recife", e alguns capricham na pronúncia "Ricífi" (como sou recifense, não estou ofendendo nem ridicularizando as variações regionais).

- "Conheço perfeitamente, pois lá eu nasci, fui crado, estudei, casei, pastoreei e ensinei".
- "Está me chamando me mentoroso?"
- "De modo algum; estou dizendo que não conheço essa igreja e esse pastor".

Foi embora, mas teve que assistir à EBD e ao Culto.

Pois é. "Acautelai-vos que ninguém vos engane", alertou Jesus Cristo. Nada custa ser "prudentes como as serpentes", guardando a simplicidade das pombas (Mt 10.16).
[O autor apreciará receber outros relatos de casos semelhantes.
Fineza utilizar o endereço eletrônico abaixo para remetê-los]

Parte V
CARTA AOS BRASILEIROS
Advertência: Leitura desaconselhável para menores de dezoito anos, salvo se com assistência dos pais ou responsáveis, para lhes explicar o porquê da mensagem. Autorizada a reprodução por quaisquer meios e sua ampla distribuição, mencionando-se a autoria.

Esta obra de ficção é um grito de alerta contra as astutas ciladas do diabo. Ele tem lançado seus tentáculos sobre a humanidade para escravizar os desprevenidos. Vale lembrar o conselho bíblico:

“Ele foi homicida desde o princípio, e não se firmou na verdade, pois não há verdade nele. Quando ele profere mentira, fala do que lhe é próprio, pois é mentiroso e pai da mentira” (Jo 8.44).

“Não deis lugar ao diabo” (Ef 4.27).

“Sede sóbrios, vigiai. O vosso adversário, o diabo, anda em derredor, rugindo como leão, buscando a quem possa tragar” (1 Pe 5.8).

BRASILEIROS

Escrevo-lhes para expressar a minha gratidão pelo bom trabalho que em algumas áreas está sendo realizado nesse país; informar sobre as atividades dos meus departamentos, os planos para o próximo ano, e dizer que, no geral, graças a mim, os objetivos estão sendo alcançados.

O Departamento para Expansão do Sexo e da Violência (DESOVA) está com uma atividade infernal. Designei dois milhões de anjos para esse setor e não estão dando conta do recado. Os resultados são fantásticos. Mas o serviço não pára de crescer. Temos aí uma grande aliada: a televisão. Alguns programas têm seguido direitinho minhas recomendações: sensualidade, sexo, violência, traição, ocultismo, idolatria e babaquices. As babaquices são úteis porque prendem meus amados filhos defronte à telinha, e não terão tempo para ouvir o que não devem.

A Sedrog – Secretaria Especial das Drogas - vem alcançando bons resultados. Introduzi o crack e estou produzindo outros alucinógenos para a garotada. Alguns aliados meus estão divulgando as propriedades medicinais da maconha e tentando sua legalização. Tenho filhos em todas as áreas. Estou satisfeito com o consumo de álcool. Parabéns. Tenho conseguido muito sangue nessa área. O bom desempenho do DESOVA depende do bom desempenho da Sedrog, por óbvias razões.

O Departamento de Danças, Ritmos Sensuais e Músicas com Mensagens
Diabólicas (DERISE) está funcionando a todo vapor. Preocupo-me em agradar ao máximo meus filhos. Aliás, qual é o pai que o filho lhe pede um pão e ele lhe dá uma pedra? Recebi do Secral (Secretaria pró-Carnaval) um pedido que me deixou contente: já autorizei o pré-carnaval, indo ao encontro, assim, de um velho anseio. Essa autorização não elimina a anterior sobre os carnavais fora de época, como, por exemplo, o FORTAL, CARNATAL e RECIFAL.

Autorizo e recomendo o aumento dos focos de idolatria. O Brasil é muito extenso e há campo para mais uns dez. As cidades, onde a idolatria se transforma numa festa do povo, não mais atendem à demanda. Estou muitíssimo satisfeito com o desempenho do DECULF – Departamento de Ocultismo, e Outras Feitiçarias. É o único setor que tem crescimento real, ou seja, com percentual acima da taxa de crescimento populacional. Muitos estão me ajudando na construção de um Brasil mais espiritual. O avanço foi considerável, graças a mim. Não posso deixar de mencionar o brilhante trabalho do movimento Nova Era, ao qual dispenso atenção especial.

Tudo começou há cerca de cem anos. Admito ter sido um plano audacioso, mas eu sou audacioso e astuto. O inimigo das minhas almas diz que eu sou mentiroso e que só penso em matar, roubar e destruir. Vocês sabem que isso não é verdade. Eu tenho meu lado bom. Não exijo moralidade, bom caráter, fidelidade conjugal ou sexo somente entre casados. Dou completa liberdade aos meus filhos. Vivam suas vidas do jeito que eu gosto. O Nova Era é o meu braço forte em todo o mundo. Recomendo que comprem suas músicas, seus amuletos, suas essências e seus livros.

Conto com uma grande aliada, a televisão. Milhões de brasileiros ouvem a minha voz e recebem as minhas mensagens. Diariamente estou dando entrevistas televisivas. Continuem recebendo e seguindo minhas mensagens. Foram necessários muitos anos até que eu pudesse ter um horário especial na televisão. Não sejam apenas ouvintes, mas praticantes. Nessas entrevistas eu recomendo quais os templos que devem ser visitados e como conseguir rápido progresso. Os amuletos funcionam muito bem, seja uma fitinha amarrada no braço, um pedaço de madeira ou qualquer outra coisa. Qualquer coisa serve para que vocês esqueçam esse tal de Jes... confiem em tudo, até um pedaço de pano, menos nesse tal de salvador. Todos os que me ajudam nesse trabalho receberão a devida recompensa. Não serão esquecidos. Lembrar-me-ei deles quando estiver no meu reino.

Não peço nada em troca, agora. No meu reino há muitas moradas. Estou preparando lugar para os que me amam e me obedecem. Saibam que pecado não existe. Façam o que suas consciências pedirem. Sejam livres. Todos somos deuses. Eu sou deus. Vocês podem todas as coisas. Basta mentalizar, pensar positivo, entrar em alfa, alterar o estado do consciente (nesse estado eu falo e vocês ouvem). Salvação? Vocês já estão salvos. Deixem rolar. No final, através de sucessivas reencarnações, vocês terão perfeição igual à minha. Desta feita não dá pra relatar todos os planos que tenho em mente e os que estão em execução.
Cheguei às lágrimas de emoção quando vi meu pessoal aí no Brasil me homenageando no meu grande dia, o Dia das Bruxas. Estou convicto de que as comemorações vão aumentar a cada ano. Essa programação está sob os bons cuidados do zeloso Pomba-Gira. As cores do meu reino vocês já sabem que são preto e vermelho. É bom continuarem no time que está ganhando. Minha maior alegria é ver homens, mulheres e crianças, de todas raças, tribos e línguas vestidos a caráter. Visitei todas as festas. Um detalhe: as máscaras usadas por vocês, ou as pinturas no rosto, estão longe de assemelhar-se ao original. Não sou tão bonito como se pinta. Em razão disso, estou ultimando um plano audacioso: mostrar a minha cara na televisão. A minha voz vocês já conhecem. A minha aparição será em horário nobre e num programa bem popular. Então vocês poderão conhecer melhor minha fisionomia e até gravá-la em vídeo. Depois disso, as máscaras para o carnaval e para o meu Dia estarão mais próximas da realidade.

Até aqui falei das minhas alegrias e meus progressos. Porém, nem tudo são flores. Tem uma turma aí que está me dando muita dor de cabeça e, por causa disso, minha vida se tornou um verdadeiro inferno. Não gosto de falar em inferno, mas já que escrevi, está escrito. Não existe esse lugar chamado inferno. Dizem até que eu e meus auxiliares seremos jogados lá. Imagina! Não fossem as muitas alegrias que vocês me proporcionam, não sei como suportaria. São os seguidores de uma seita chamada protestante. Esses malucos estão botando água fria no meu caldeirão. Perseguem-me dia e noite. Essa gente não dorme. Eu também não durmo, quer dizer não posso dormir com tanto barulho, com essa tal de glória e aleluia. Prometo lutar até o fim. Aliás, eu não gosto de falar em fim. Vamos mudar de assunto.

O que mais me preocupa é o crescimento vertiginoso dessa seita. Quando eram poucos, dava pra levar. Já perdi milhões de almas para essa gente. Milhões que estavam me ajudando aí no Brasil, nos diversos setores. O desfalque é grande. Devo confessar que não suporto quando eles pronunciam o nome desse Je... Desculpem-me, mas não posso pronunciar esse nome por óbvias e irrefutáveis razões. Esse nome é sinônimo de cruz, de sangue e de perdão, e só em pensar nele fico todo me tremendo. Não sei explicar. Adorem qualquer outra pessoa, menos esse tal de Je... Devo lembrar que só eu tenho palavras de vida eterna. Eva foi uma mulher sábia porque ouviu a minha voz e seguiu o meu conselho. Graças a ela, e a Adão, eu me tornei o rei deste mundo. Sigam o exemplo do primeiro casal.

Não temam os que tentam transformar as minhas verdades em mentiras. Eu declaro guerra aos protestantes de todo o mundo, de modo especial aos do Brasil. Estou preocupado com o ataque desses fanáticos às programações da Disneylândia, onde eu tenho um quartel-general. Através das músicas e filmes da Disneylândia tenho conseguido êxito junto às crianças, alvo das minhas preocupações. Há dezenas de anos desenvolvo projetos nessa área sem nenhuma oposição. Agora, ouço vozes discordantes; combatem minhas mensagens sobre lesbianismo, homossexualismo e minhas lições sobre violênci e ocultismo. Porém, tenho conseguido segurar os meninos diante dos vídeos. Para isso conto com a valiosa colaboração dos pais, os que são meus aliados.

Estou profundamente triste porque meus mensageiros têm sido expulsos de muitas casas, em que habitavam há muitos anos; famílias que recebiam nossa assistência há séculos, conhecíamos seus gostos, seus pratos prediletos, seus costumes e até imitávamos seus modos de andar e falar; servíamos até de canal entre os vivos e os que já passaram de lá para cá. Quantos favores não fiz! De uma hora para outra, essas ingratas criaturas resolvem virar a cabeça e dar ouvidos a esses crentes e, quando menos espero, meus auxiliares são expulsos sem mais nem menos. São demitidos sem indenização ou aviso prévio. Nem uma xícara de sangue recebem! Essas perdas me deixam angustiado. Se fosse um caso aqui, outro acolá, tudo bem. Mas continuamente sou perseguido.

Filhinhos, a hora da vitória se aproxima. Anotem minhas últimas recomendações. Estarei na televisão transmitindo outras mensagens: não leiam essa tal de Bíblia que só contém mentiras; continuem consultando os astros, as cartas, o mapa astral e tantas outras coisas boas que coloco à disposição de vocês. Estarei sempre presente em suas consultas para consolar, instruir e fazê-los progredir. Vocês não ficarão desamparados. Estou pronto a sacrificar minha vida por vocês, desde que vocês sacrifiquem sua alma por mim. Outra coisa: os duendes são uma realidade. Creiam neles. Creiam em tudo, menos naquele cujo nome já citei. Não me esqueçam e eu não esquecerei vocês. Meditem dia e noite nas minhas palavras. Cuidado, não sirvam a outros deuses. Rezem por mim.

O DIABO
Parte VI
IRMÃO, CUIDADO COM A FEITIÇARIA!
Satanismo é a adoração de Satanás e o uso da feitiçaria com intenções malignas. Hoje, grande parte das pessoas que pertencem ao movimento satanista declaram-se neopagãos. Na cosmovisão dos neopagãos, os cristãos distorcem o desenvolvimento da humanidade ao enfatizar o domínio do intelecto sobre outros aspectos da psiquê humana. Os neopagãos afirmam que os seres humanos devem viver em harmonia com a natureza e não subordinar vontade e emoções a Deus.

Para os neopagãos, a religião é uma atividade prática realizada mediante rituais e cerimônias para alinhar os participantes com a ordem cósmica e assim liberar o poder místico que existe dentro deles.

As raízes do movimento neopagão estão no romantismo do século 19 e no desejo de exaltar as emoções e sentimentos acima do intelecto. O poeta William Blake e o escritor Alphonse Louis Constant [1810-75], também conhecido por Eliphas Levi, são considerados pelos neopagãos como expoentes modernos do movimento. Mas não param aí. Também incluem a fundação da Ordem da Aurora Dourada, em 1888, na Inglaterra, o poeta W. B. Yeats e o mago negro Alistair Crowley. Esta lista foi crescendo e incluiu Margaret Murray, que disse ter descoberto evidências de uma religião de bruxaria na Inglaterra anterior à Reforma protestante, e Gerald Gardiner, dono de um museu da bruxaria na ilha de Man. A maioria dos grupos de feitiçaria ritual acham suas origens nessas fontes e na crença comum de que são herdeiros de tradições religiosas milenares.

E A BÍBLIA, O QUE DIZ DISSO?

Tecnicamente, o feiticeiro seria uma pessoa possuidora de conhecimentos sobrenaturais, sob a forma de bruxaria ou magia. Serve-se de poções, cuja eficácia depende de palavras mágicas, proferidas segundo determinados rituais, já que acredita estar investido de forças sobrenaturais, adquiridas por meio da comunicação com os espíritos dos mortos [Is 8.19]. Já a palavra mago, empregada na Bíblia, é tradução grega [magoi] do hebraico hartom, e refere-se à pessoa que pertence a classe dos escribas sagrados, peritos na escrita e possuidor de vastos conhecimentos [Dn 1.20], inclusive ocultos. No Egito, dois magos chamados Janes e Jambres [2 Tm 3.8] se opuseram a Moisés. Os feiticeiros e magos existiram também na Babilônia, Síria e outros países pagãos.

A Bíblia considera as práticas de idolatria, feitiçaria e magia atividades relacionadas às forças satânicas.

"Entre ti se não achará quem faça passar pelo fogo o seu filho ou a sua filha, nem adivinhador, nem prognosticador, nem agoureiro, nem feiticeiro, nem encantador de encantamentos, nem quem consulte um espírito adivinhante, nem mágico, nem quem consulte os mortos; pois todo aquele que faz tal coisa é abominação ao Senhor, e por estas abominações o Senhor teu Deus as lança fora de diante dele. Perfeito serás, como o Senhor teu Deus. Porque estas nações, que hás de possuir, ouvem os prognosticadores e os adivinhadores; porém a ti o Senhor teu Deus não permitiu tal coisa". [Deuteronômio 18.10-14]

"Porque a rebelião é como o pecado de feitiçaria, e o porfiar é como iniqüidade e idolatria. Porquanto tu rejeitaste a palavra do Senhor, ele também te rejeitou a ti, para que não sejas rei". [1Samuel 15.23].

E a atividade satânica no Antigo Testamento é apresentada como uma força oposta a Deus e aos Seus seres intermediários pessoais, os malakim [anjos]. No Novo Testamento, juntamente com a expressão grega daimon [demônio], a presença de demônios é descrita como sinônimo de espírito imundo [akatharton - Mc 1.24-27; 5.2-3; 7.26; 9.25; At 5.16; 8.7; Ap 16.13] e também espíritos malignos [ponera - At 19.12-16]. A maioria das referências descrevem a atividade desses espíritos ou demônios, em especial a possessão.

Na Bíblia nunca se faz menção do feiticeiro a não ser em conexão com os demônios familiares, porque pertencem a mesma classe dos que invocam os espíritos dos mortos.

Os cananeus consultavam feiticeiros [Dt 18.9-12], assim como os egípcios [Is 19.3], mas ao hebreu fazer tal coisa era uma desonra, significando pecado de apostasia [Lv 19.31; 20.6; Is 8.19]. O pecado de feitiçaria era punido com a morte, Lv 20.27. Saul e depois dele o rei Josias deram execução a esta lei [1Sm 28.3, 9; 2Rs 23.24. Porém Manassés a violou vergonhosamente [2Rs 21.6].

Simão, o mago, e Barjesus foram dois célebres magos na história apostólica [At 8.9, 11; 13.6,8].

CRISTO É O LIBERTADOR!

Devemos levar em conta que muita coisa que era considerada possessão demoníaca no primeiro século, hoje é entendida corretamente como enfermidade psicológica. Mas, o aumento das atividades ligadas à prática da idolatria, feitiçaria e ocultismo, assim como a aceitação da existência e adoração de Satanás [o adversário], devem fazer com que fiquemos alertas quanto aos perigos do satanismo.

Nós, evangélicos pregamos que a libertação da sujeição aos demônios envolve a confissão de fé do indivíduo em Cristo como Salvador, a confissão e o arrependimento por seu envolvimento com a prática da idolatria, feitiçaria e ocultismo e o recebimento da libertação que se pode achar em Cristo. É importante entender que "a ênfase dada à libertação da possessão através do poder operante de Jesus Cristo deve ser coerente com os ensinamentos do Novo Testamento e não refletir, de modo algum, os abusos e superstições associados com a Idade Média". [S. E. McClelland, Demônio e possessão demoníaca, in Walter A Elwell, Enciclopédia Histórico Teológica da Igreja Cristã, SP, EVN, 1993, pp.405-408].

"Tornou pois Jesus a dizer-lhes: Em verdade vos digo que eu sou a porta das ovelhas. Todos quantos vieram antes de mim são ladrões e salteadores; mas as ovelhas não os ouviram. Eu sou a porta; se alguém entrar por mim, salvar-se-á, e entrará, e sairá, e achará pastagens. O ladrão não vem senão a roubar, a matar, e a destruir; eu vim para que tenham vida, e a tenham com abundância. Eu sou o bom Pastor; o bom Pastor dá a sua vida pelas ovelhas. Mas o mercenário, e o que não é pastor, de quem não são as ovelhas, vê vir o lobo, e deixa as ovelhas e foge; e o lobo as arrebata e dispersa. Ora o mercenário foge, porque é mercenário, e não tem cuidado das ovelhas. Eu sou o bom Pastor, e conheço as minhas ovelhas, e das minhas sou conhecido. [João 10.7-14].
BIBLIOGRAFIA mínima recomendada Norman L. Geisler, Philosophy of Religion, Grand Rapids, Zondervan, 1979.
Harris, Archer Jr., Waltke, Dicionário Internacional de Teologia do Antigo Testamento, SP, EVN, 1998.
Russell Shedd e Alan Pieratt, Imortalidade, SP, EVN, 1992.
Walter A Elwell, Enciclopédia Histórico Teológica da Igreja Cristã, SP, EVN, 1993.
Parte VII
VOZES DO INFERNO
Circula na internet a notícia publicada num jornal da Finlândia, sobre uma gravação de sons do interior da Terra, realizada pelo Dr. Azzacove, que seriam gritos dos moradores do inferno. O pesquisador conta a sua experiência da seguinte forma: Como comunista, não acredito no céu ou na Bíblia, mas como cientista eu agora acredito no inferno, disse o Dr. Azzacove. Inútil para nós dizer que ficamos chocados ao fazer tal descoberta, mas nós sabemos o que vimos e ouvimos e estamos absolutamente convencidos que perfuramos através das portas do inferno! As brocas começaram de repente a girar descontroladamente, indicando que nós tínhamos alcançado um bolso ou uma grande caverna vazia. Os sensores de temperatura mostraram um aumento dramático no calor de 2000 graus Fahrenheit. Nós abaixamos um microfone projetado para detectar os sons de movimentos de placas de baixo eixo. Mas em vez de movimentos de placas nós ouvimos voz humana que gritava de dor. No início pensamos que o som estava vindo do nosso próprio equipamento, mas quando fizemos os ajustes nossas más suspeitas foram confirmadas. Os gritos não eram de um único ser humano, eles eram os gritos de milhões de seres humanos...! Esses sons podem ser encontrados no seguinte endereço: http://www.uol.com.br/aleluia/estudos/inferno/parte7.htm

A notícia surpreende a todos pelo inusitado: seria a primeira vez que humanos ouvem vozes de pessoas mortas que estariam no castigo eterno. Antes, porém, de avalizarmos essa fantástica descoberta e a usarmos como meio de evangelização que se procedente confirmaria as palavras da Bíblia sobre a existência do inferno e sobre a condenação dos ímpios, e daria mais uma pancada mortal na doutrina espírita da reencarnação e inexistência do inferno -, de bom alvitre deveríamos responder, primeiro, as seguintes questões:

1 - Os sons gravados são realmente vozes humanas? Não haveria a mínima possibilidade de engano? A gravação foi apresentada a perito para comprovar ou não a procedência dos sons? Pela importância do assunto, tal providência já deveria ter sido tomada por alguma denominação.

2 - Qual a extensão da sonda usada pelo cientista para atingir o interior da Terra, sabendo-se que a litosfera (envoltório sólido e externo da Terra) tem uma extensão aproximada de 100 quilômetros? Vejam as características da litosfera (BARSA): Ao estudar a estrutura da Terra, os especialistas empregam duas classificações. Na primeira, dividem-na em litosfera, astenosfera e mesosfera. A litosfera é a parte mais rígida, com cerca de cem quilômetros de profundidade. Menos espessa sob os oceanos, onde pode chegar a cinqüenta quilômetros, a litosfera pode atingir a profundidade de 150km sob os continentes. A astenosfera é uma camada menos rígida, de 100 a 700km de profundidade, e a mesosfera é a parte mais profunda, em estado de fusão. Pela segunda classificação, a Terra compõe-se de crosta, manto e núcleo. A crosta vai da superfície até cerca de 35km de profundidade, ponto em que se encontra a descontinuidade de Mohorovicic (ou simplesmente Moho). Nos continentes, é mais espessa, com até cinqüenta quilômetros, enquanto no fundo dos oceanos, em geral, não passa de dez. Embaixo da crosta situa-se o manto, que vai até 2.900km de profundidade, composto de materiais fluidos e heterogêneos quanto à temperatura e à densidade. O núcleo, formado essencialmente de materiais de níquel e ferro de grande densidade, situa-se entre os 2.900 e os 6.370km de profundidade (Encyclopaedia Britannica do Brasil Publicações Ltda).

3 Pela descrição da experiência, a sonda do cientista teria atingido o núcleo da Terra, onde as temperaturas são elevadíssimas. Seria aí o Lago de Fogo e Enxofre, de Apocalipse 19.20? Parece-me remota a possibilidade de uma sonda chegar a esse núcleo, em razão da distância, como vimos acima.

4 Digamos que a sondagem tenha sido realizada numa região vulcânica, onde o magma um material semifluído e altamente aquecido - tenha ficado retido num bolsão mais próximo da superfície. Ainda assim, teríamos de questionar essa possibilidade e submeter a acurado debate e exame por pessoas qualificadas.

5 Admitida a hipótese da perfuração por materiais altamente resistentes, a exemplo das perfurações petrolíferas, seria o caso de se usar, também, uma câmera de vídeo para que imagem e som do inferno chegassem à superfície.

6 Excluída a hipótese de a sonda do cientista haver perfurado a litosfera até chegar a um bolsão , dadas as dificuldades insuperáveis, nossa atenção estaria voltada, então, para a tese da região vulcânica. Ora, existem uns 600 vulcões ativos, ou seja, com história de erupção conhecida. Perguntamos: em qual deles estaria o inferno? O inferno estaria estratificado, dividido por seções, e assim espalhado por muitas regiões? Cada país teria seu inferno particular? Onde estaria o inferno do Brasil?

7 Por outro lado, só com muito esforço poderíamos admitir a hipótese vulcânica, pelo simples fato de que o inferno seria uma prisão vulnerável. A não ser que circundado com portas invisíveis pelo Deus do impossível, o inferno nessas condições teria uma porta de escape a cratera por onde os mais rebeldes escapariam.

8 - Por essas e outras o Dr. Azzacove, o cientista ateu, bem que poderia ter descido a detalhe técnico na explicação do fenômeno. O inferno é sem dúvida um lugar de castigo eterno, haja vista Números 16.31-33, Isaías 14.15, Provérbios 15.24, Mateus 25.41,46, Apocalipse 14.10, 20.15. O que se deve indagar, quanto ao episódio, é se esse lugar preparado por Deus para o diabo, os demônios, e os ímpios, de cujas portas Jesus possui as chaves (Ap 1.18) pode ser facilmente penetrado por mecanismos humanos.

9 Ora, se Deus permite o acesso através de uma sonda, permitiria também a entrada de uma filmadora. Com isso, muitos conheceriam, com bastante antecedência, sua eterna morada. O ibope televisivo explodiria e todos teriam em casa, ao vivo e em cores, imagens do abismo eterno. Com o avanço vertiginoso da ciência, não estaríamos muito distante de serem feitas perfurações gigantescas, de até 2.000km de profundidade, para visita, via férrea, ao Lago de Fogo e Enxofre. São hipóteses viáveis, se procedentes as suspeitas levantadas pelo Dr. Azzacove.

10 O assunto precisa ser analisado com cautela, antes de darmos ampla divulgação nas igrejas. Não me parece fácil aceitarmos a idéia de que o inferno, possa, doravante, ser acessado por qualquer pessoa, bastando que possua o equipamento necessário. Se admitirmos a literalidade na interpretação de alguns textos bíblicos (Efésios 4.9: regiões mais baixas da terra ; Jó 38.16: Profundo abismo ; Apocalipse 19.20; 20.15; 21.8: Lago de fogo e enxofre ; Marcos 9.43; Isaías 66.24: Fogo que não se apaga ) e formos levados ao entendimento de que o inferno é um lugar físico, devemos entender que esse lugar é no profundo abismo, onde o fogo nunca se apaga. Ainda que válida a interpretaçào literal, esse lugar de suplício eterno não se encontraria tão próximo da superfície terrestre, e vulnerável, que uma sonda de um cientista ateu pudesse descobri-lo.

Parte VIII
Diabo: O nome que está acima de todos os nomes?
Satanás, diabo, maligno, demônios, anticristo – são esses os nomes mais pronunciados no discurso de alguns púlpitos brasileiros. E dão ibope. O Evangelho genuíno perdera o significado? O medo do diabo apressa a conversão dos pecadores? O maligno é responsável direto e único pela doença, falta de emprego, contendas familiares, falta de fé, preguiça, dificuldade em dizimar, adultério, por tudo?

A fé, pela qual e através da qual a graça alcança os pecadores, aumenta através de “ouvir a Palavra” (Ef 2.8-9; Rm 10.17). Não é por saberem o que o diabo faz ou deixa de fazer. Mas por que mudar o time do diabo, satanás, demônios, maligno, anticristo se estão marcando gol? Portanto, o despautério continuará. Todos os dias, o mesmo refrão.

Reparem no discurso do apóstolo Pedro, o primeiro pronunciado logo após o pentecostes (At 2.14-36). Nenhum nome dessa corte infernal foi mencionado. Apesar disso, quase três mil almas se converteram (v. 41).

Se duvidam, liguem a televisão em qualquer dia e anotem quantas vezes aqueles nomes são citados em programas evangelísticos. Embora já soubesse, fiz uma experiência. Liguei a TV, e nesse exato momento o orador disse: “Isso é um demônio...”. Para não sofrer desconforto espiritual, mudei de canal imediatamente.

Ocorre que o diabo dá audiência, dá entrevista, faz malabarismo nos púlpitos, discursa, faz a festa. Há uns dez anos escrevi um artigo em que citava mais o nome de satanás do que o de Deus. Então um leitor me advertiu. Sem a invocação diabo, muitos púlpitos ficariam sem brilho, insossos, esmaecidos, desfigurados. As ovelhas precisam vir a Cristo por medo do diabo, pensam. Isso tudo tem um nome: INVERSÃO DE VALORES.

Observem como o nome do diabo e assemelhados é evidenciado num trecho de um comunicado que recebi nesta data, como abaixo. Não coloquei o nome do ministério, pois não faço oposição a pessoas nem a igrejas, mas ao fato em si, a dogmas, doutrinas, teses, modismos, heresias:

“Nós do Ministério... recentemente recebemos esta palavra do Senhor com relação a 6 de junho de 2006....”.

“O mundo está em agitação. Jesus está perto de visitar a terra com Sua justiça e glória. Deus está enviando Seu povo para salvar almas, multiplicar igrejas, cuidar dos pobres e transformar a sociedade em que vivemos. Nós veremos manifestações do Espírito Santo que irão converter cidades inteiras em um só dia. A igreja está perto de entrar em seus dias mais poderosos de colheita, enquanto as forças do mal simultaneamente liberam os espíritos do anti-Cristo para impedir a igreja de alcançar o destino de Deus. Estamos em guerra!”.

“O diabo entende muito bem o significado e simbolismo atrás de datas e números. Ele está consciente do plano de Deus para a igreja vitoriosa. Ele fará tudo que esteja ao seu alcance para conter a poderosa colheita que já se iniciou. Uma parte de sua estratégia se concentra em uma data chave no ano que vem”.

“A Bíblia nos diz que não devemos ser ignorantes às artimanhas de Satanás. O diabo colocou 6 de junho de 2006 em negrito em sua agenda de destruição. Pense nesse número: 6-6-6!”

“As mais poderosas forças ocultas ao redor do mundo como Satanistas, maçons, feiticeiras (Wicca), Nova Era, bruxas, médiuns e outros estarão ocupados em 6 de junho de 2006 para tentar lançar os planos de Satanás sobre a terra”.

“Eu estou mais certa do que nunca que Deus me falou profeticamente que isso é um plano do inimigo, e que ELE deseja que o corpo de Cristo ao redor de todo o mundo tome uma ação para neutralizar o poder de Satanás e levá-lo à derrota”.

Qual foi o nome mais pronunciado nesse comunicado? O de Jesus, o mais valente, nosso Senhor e Salvador, o Filho de Deus, o Verbo encarnado, o Todo-Poderoso, o nome que está acima de todos os nomes (At 4.12)? Não. O nome em evidência é do que já foi derrotado na cruz; que tem um inferno novinho preparado para ele e seus anjos (Mt 25.41); que foge dos crentes (1 Jo 5.18). Mas a nota declara que satanás será levado à derrota no dia seis de junho, data em que, segundo a nota profética, coisas extraordinárias acontecerão. Nada de extraordinário que eu saiba aconteceu em 06.06.1996, 06.06.1986, 06.06.1976... 06.06.1876... 06.06.1536, 06.06.1666 – datas em que o número SEIS aparece três vezes e apontam para o número da besta. O apóstolo Pedro não fez nenhuma referência a datas, a simbologia, ao número a besta, ao diabo e seus anjos. Apenas pregou o Evangelho do arrependimento e do Cristo ressuscitado. Resumindo, disse: “Arrependei-vos, e cada um de vós seja batizado em nome de Jesus Cristo, para perdão dos pecados. E recebereis o dom do Espírito Santo” (At 2.38). Eis a essência do Cristianismo.

TEOLOGIA - PARTE 33

Estudo Teológico Sobre a Pregação o enriquecimento do Pregador dividido em V partes com 53 paginas
A PREGAÇÃO E O PREGADOR I
O fato e o ato
"Conjuro-te, pois, diante de Deus e de Cristo Jesus, que há de julgar os vivos e os mortos, na sua vinda e no seu reino; prega a palavra, insta a tempo e fora de tempo, admoesta, repreende, exorta, com toda a longanimidade e ensino. Porque virá tempo em que não suportarão a sã doutrina; mas tendo coceira nos ouvidos, cercar-se-ão de mestres, segundo as suas próprias cobiças; e se recusarão a dar ouvidos à verdade, voltando às fábulas. Tu, porém, sê sóbrio em tudo, sofre as aflições, faze a obra de um evangelista, cumpre bem o teu ministério" (2 Timóteo 4.1-5).

Após haver exortado o jovem pastor Timóteo a ser firme e perseverante na chamada que havia recebido; e após, igualmente, haver alertado sobre a corrupção que reinaria nos dias finais; encorajado, ainda, a manter a doutrina, Paulo estimula seu jovem pupilo a ser incansável na proclamação do evangelho. Isso o apóstolo o fará dentro de um plano bem simples: fala acerca da pregação (vv.1 e 2) e acerca do pregador (v.5). Entre esses dois fatos, utiliza ele o elo de uma nova descrição dos erros teológicos, doutrinários e ideológicos , trazidos pelos profetas de um falso evangelho (vv.3 e 4). Diz o apóstolo:

"Conjuro-te, pois, diante de Deus e de Cristo Jesus, que há de julgar os vivos e os mortos, na sua vinda e no seu reino" (v.1).

Não é um novo apelo. O apóstolo já o havia feito com outras palavras em ocasiões variadas desta mesma carta. Paulo chama a Deus Pai, e a Jesus Cristo como testemunhas . É Jesus, o juiz de vivos e de mortos; é Jesus, o conquistador que retorna; é Jesus, o Rei. E mencionando essas verdades, fala o apóstolo de Sua epifania, de Seu juízo, da plenitude de Seu reino. É Jesus nosso alvo de vida, para Quem Paulo encoraja Timóteo a olhar, como também para o mundo do seu tempo, e para ele, Paulo, pastor mais experimentado, sofrido, calejado nas lides ministeriais.1 (vv.6-8)

A PREGAÇÃO (vv.2-4)

O Quérigma: "Prega a Palavra" (v. 2 a)

O ministro do evangelho não tem o direito de escolher o que pregar. A ordem é dada em voz de comando, porque o pregador há de ser como o porta-voz do seu rei. Esse é o padrão: o mesmo para o mensageiro deste fim de século. É o da pregação que nasce da consciência de ser um arauto do Rei dos reis, do que anuncia, faz conhecido em voz, razão porque a pregação cristã é igualmente chamada "proclamação" ou "anúncio".
Prega-se a Jesus Cristo. Paulo o diz: "nós pregamos a Cristo crucificado"; anuncia-se o evangelho; proclama-se o reino. Devemos pregar a "Cristo crucificado"; anuncia-se o evangelho; proclama-se o reino. Devemos pregar a fé, a esperança e o amor; devemos pregar o Calvário e o túmulo vazio; devemos anunciar a reconciliação e a inauguração do reino do Senhor.
O pregador do evangelho não pode esquecer três relevantes e imprescindíveis realidades: Jesus Cristo é o Senhor do universo, do cosmos; é o Senhor da igreja, Seu corpo; e é seu Senhor, de sua vida, de sua esperança. Jesus Cristo é o começo da proclamação, e o cumprimento desse abençoado anúncio e promessa de salvação para todo o que crê.
Há, porém, espaço para essa pregação hoje? Radicais dizem que os pregadores devem jogar fora as suas Bíblias. Igrejas existem que, ao invés de estudar as Escrituras, preferem analisar nas suas "Escolas Bíblicas" (?!) documentos de conteúdo político e teses outras! E já que o mundo de nossos dias tem se tornado tão exigente, não seria melhor usar de formas outras para apresentar a mensagem? Que tal o teatro? O balé? As artes plásticas? Por que não o debate em torno de filmes, a leitura de uma peça? . É. São mil e uma as propostas para uma "apresentação contemporânea do evangelho", mas, nada, nada mesmo substitui a pregação . Como bem colocou Emil Brunner:

"Onde há verdadeira pregação; onde, em obediência a fé, é proclamada a palavra, ali, apesar de todas as aparências contra, é produzido o acontecimento mais importante que pode ter lugar na terra".

A pregação, em si, é o elemento central do culto. É um ato de adoraçào; é oferta feita a Deus pelo pregador. Lutero chegou ao ponto de dizer ser o próprio cerne do culto cristão, e que não haveria culto se não houvesse sermão. É essa palavra dinâmica (Hb 4.12), a palavra de Deus, a palavra do evangelho, que sempre é criativamente aplicada em diferentes níveis. Essa é a pregação da esperança que a pregação de Jesus Cristo anunciou e vem anunciando até a parousia do Senhor. O evangelho não só é sobre Jesus, mas É Ele mesmo. Os primeiros pregadores declaravam

que a época do cumprimento das promessas, a plenitude dos tempos, havia chegado;
que através da ressurreição, Jesus foi exaltado à destra de Deus;
que a presença do Espirito Santo na igreja é a evidência do poder e da glória de Cristo;
que a era messiânica terá sua consumação na parousia.
Realmente a mensagem sobre o que o Senhor disse e fez pela salvação da pessoa humana é a única sobre o único caminho de salvação que é Seu Filho: "Em nenhum outro há salvação, pois também debaixo do céu nenhum outro nome há, dado entre os homens, pelo qual devamos ser salvos".2 Para essa mensagem, a Bíblia usa denominações variadas:

"o evangelho do reino de Deus" ("Depois disto andava Jesus de cidade em cidade e de aldeia em aldeia, pregando e anunciando o evangelho do reino de Deus"3);
"a palavra de reconciliação" ("Deus estava em Cristo reconciliando consigo o mundo, não imputando aos homens os seus pecados, e nos confiou a palavra da reconciliação",4);
"o evangelho de Cristo" ("Deveis portar-vos dignamente conforme o evangelho de Cristo. Então, quer vá e vos veja, quer esteja ausente, ouça acerca de vós que estais firmes em um mesmo espírito, combatendo juntamente com o mesmo ânimo pela fé do evangelho",5).
Sim, o pregador do evangelho está na linha de sucessão dos profetas que anunciam esta extraordinária palavra que nunca volta vazia, razão porque não pode mutilá-la ou modificá-la. Seu dever de obediência é comunicar a Palavra de Deus que lhe foi confiada.
Há quem deseje um evangelho sem cruz, sem maiores compromissos, o evangelho da facilidade e sem conflitos. É o evangelho do Cristo desfigurado. Diferente daquele que o pregador cristão é convocado a anunciar, o do Cristo crucificado6. O evangelho do Cristo desfigurado é o do "espetaculoso" (mistura do "espetáculo"com "horroroso"), evangelho tão do gosto dos evangelistas e missionários de porta de esquina, o do povo que pede sinais, o da-concupiscência-dos olhos. O evangelho do sucesso, o da soberba da vida, da vitória sem cruz, da coroa sem sofrimento, dos valores materiais, dos atalhos . O pregador evangélico, no entanto, é o que anuncia a palavra da cruz sem a qual não pode existir proclamação de boas novas,
"porque nós não somos falsificadores da palavra de Deus, como tantos outros; mas é com sinceridade, é da parte de Deus e na presença do próprio Deus que, em Cristo, falamos" 7.

A Didaquê

1. "insta a tempo e fora de tempo" (v. 2 b)
A pregação da mensagem de Jesus Cristo não depende de circunstâncias. Haja ou não perseguição, percam-se ou não vantagens pessoais, nada deve influenciar nosso ministério. Paulo o pontua: "Vós vos tornastes imitadores nossos e do Senhor, acolhendo a palavra com a alagria do Espírito Santo, apesar das numerosas tribulações".8 A expressão básica da carta a Timóteo apresenta um bem feito jogo de palavras: "fica de prontidão em tempo oportuno (eukairos) e, em sendo o caso, também em tempo inoportuno (akairos)". Seja ou não em situações favoráveis. Kairos, ensinam os léxicos, é o tempo oportunidade, o tempo de Deus. Atender a essa hora signifivativa é abraçar a salvação; rejeitá-la é ruina. O pregador não pode perder a visão da urgência. John Stott enfatizou muito bem ao pronunciar "O sermão deve dar descanso após incomodar".

2. "admoesta"
Há um crescendo nas palavras: insta, admoesta, repreende, exorta. Até podemos falar em níveis de pregação. O apóstolo fala em admoestação, uma abordagem intelectual usando-se a argumentação. Jesus Cristo ordenou que ensinássemos os crentes "a guardar todas as coisas" que Ele havia mandado. A proclamação admoestadora é a confrontação da pessoa com a realidade dinâmica da palavra anunciada; é a pregação da esperança. Deve levar a confissão do pecado ou a sua convicção porque proclamar o evangelho , instar em tempo oportuno, é confrontar. Hoje quando o antinatural é vendido como natural, e o pecado parece ter desaparecido, a Igreja de Jesus Cristo deve conduzir à salvação dos perdidos e a santificação dos salvos. É a didaquê.

3. "repreende"
A repreensão tem pontuação moral. Jesus Cristo deixou-nos o mandamento sobre promover a reconciliação de vidas, o perdão no aconselhamento com vistas ao arrependimento. Dr. Wayne Oates, professor de Psicologia Pastoral do The Southern Baptist Theological Seminary (em Louisville, EUA) ensina que como homem de Deus, como representante divino, o pastor se torna uma consciência visível. E essa é a razão porque pode admoestar, repreender e exortar com sabedoria e compaixão. A repreensão movida pelo amor de Cristo Jesus e pelo calor do Espírito dá ao pregador autoridade da qual o seu rebanho precisa.

4. "exorta"
É encorajamento, é conforto. O ministério da paráclese tinha lugar destacado na Igreja apostólica. Era uma missão especial dos profetas. É encorajamento à vida justa, perfeita, à ética. As cartas paulinas trazem com muita freqüência passagens de exortação.

O Modo De Fazer ( v. 2c )
"Com loganimidade e ensino", diz Paulo. Com paciência, com perseverança , sem cansaço, sem irritação, apesar das tentações do aborrecimento e da impaciência com certas ovelhas de cabeça dura e miolo mole.
O pregador há de ter boa doutrina, que é a base do ensino cristão.

O TEMPO E OS MITOS ( vv. 3,4 )

O tempo (v. 3)
Sem dúvida, estamos vivendo esses dias. É um momento em que a ortodoxia será posta de lado por não ser suportada. São os "tempos penosos" do capitulo 3, verso 1. O momento quando teorias maléficas são propagadas por movimentos ideológicos, filosóficos, religiosos e místicos. E, porque há quem se deixe levar (cf. "não suportarão a sã doutrina", "grande desejo de ouvir coisas agradáveis", "desviarão os ouvidos da verdade", "voltar-se-ão às FÁBULAS", vv.3,4), há, igualmente, necessidade da admoestação, repreensão e exortação referidas no versiculo 2. É nossa oportunidade missionária e pastoral, é o kairós, o momento marcado por Deus, o chamado da hora. Afinal, a mensagem do evangelho é eugênica, hígida, sadia.

"Para os devassos, os sodomitas, os roubadores de homens, os mentirosos, os perjuros, e para tudo que for contrário à sã doutrina." 9

e assim o pregador é exortado a reter "...firme a palavra fiel, que é conforme a doutrina, para que seja poderoso, tanto para exortar na sã doutrina como para convencer os contradizen-
tes" 10, ou seja, o pregador não há de dar ao povo o que o povo aprecia (que não caia nessa tentação!), mas o de que o povo precisa. Paulo lembra que têm "grande desejo de ouvir coisas agradáveis" (no original, têm "coceira nos ouvidos", prurido, comichão), fome de novidades.11
A palavra mágica de nossa época parece ser liberdade. Realmente, qualquer causa tem algo que com ela se relaciona. Fala-se em "Frente Nacional de Libertação", em "livre empresa", "imprensa livre", "liberação feminina", "amor livre", "liberdade sexual", "liberação gay". É; essa palavra é muito apreciada. A Bíblia se pronuncia sobre o assunto: "Se, pois, o Filho vos libertar, verdadeiramente sereis livres".12 Jesus Cristo pôs a marca da liberdade no seu ministério:

"O espírito do Senhor está sobre mim, porquanto me ungiu para anunciar boas novas aos pobres; enviou-me para proclamar libertação aos cativos, e restauração de vista aos cegos, para por em liberdade os oprimidos, e para proclamar o ano aceitável do Senhor". 13

Sim! A mensagem cristã é um brado de "Independência ou Morte!": "Porque a lei do Espírito da vida, em Cristo Jesus, te livrou da lei do pecado e da morte" .14Liberdade de uma situação para outra. Liberdade da derrota moral, do desespero da morte, das tentativas de auto-salvação , do julgamento final para crescer à estatura do ser humano perfeito, para servir ao Senhor , e viver a vida do Espírito.
O ser humano, nosso alvo de pregação, tem seus problemas peculiares: a secularização, a ideologia da tecnocracia, a busca desenfreada de lucro, o ateísmo, o hedonismo, a sacralização dos fenômenos naturais, a deificação da sua própria obra, a ansiedade, o sentimento de culpa, a revolução interior no lugar do equilíbrio, da qual o gadareno15 é seu retrato. São tempos dificeis: há um rápido aumento da parceria homossexual, dos casamentos abertos, e (pasme-se!) a criação de Igrejas gays como a Metropolitan Community Church, cisma da Igreja Metodista Unida dos EUA e espalhada pelos Estados Unidos e Canadá. Karl Barth alerta com muita propriedade ao pregador de nossos dias que tenha numa das mãos o jornal diário para ler o mundo e suas circunstâncias, e na outra a palavra de Deus para falar profeticamente a esse mundo (cético), irreligioso, ao tempo que sofrido e amargurado (e em desespero). De Erasmo:

"O ministro se acha no ápice de sua dignidade quando do púlpito alimenta o rebanho do Senhor com sã doutrina".

Os mitos ( v. 4 )
Paulo diz que "não só desviarão os ouvidos da verdade, mas se voltarão às fabulas". A propósito, Paulo encoraja outro jovem pastor a repreender com severidade objetivando a saúde da fé, "não dando ouvidos a fábulas judaicas, nam a mandamentos de homens que se desviam da verdade".16 Afinal, a função do quérigma inclui uma luta contra os mitos, as "fábulas" das traduções bíblicas. Isso é o que diz Harvey Cox. Comblin, referindo-se aos mitos do homem contemporâneo, menciona o que chama "mitos do passado", os "sonhos da noite" de acordo com Ernest Bloch, e os "mitos do futuro", a projeção da vida presente no futuro. Aliás, segundo alguns, o ser humano de nosso tempo teria feito uma grande descoberta: que é possível viver sem Deus, dando como conseqüência que a pessoa humana não tem necessidade de Deus para viver e trabalhar. Aí pessoas com tal idéia na cabeça "...se desviaram, e se entregaram a discursos vãos", e "...já... se desviaram, indo após Satanás". Por razões deste tipo, necessário é que o pregador viva "não dando ouvidos a fabulas judaicas, nem a mandamentos de homens que se desviam da verdade" .17

Verdade Viva

Senhor, faze-nos compreender
que uma verdade é muito mais viva
quando ela se move,
quando ela evolui
e traz novos frutos
em cada estação.

Quando muda diante de nossos olhos
com a hora do dia,
com a idade do homem,
com o passo dos séculos,
mas permanece, em substância,
para todos: séculos e homens,
sempre iluminadora,
sempre vivificadora,
alimentando-nos a cada dia
e levando-nos à nossa perfeição!
Senhor, dá-nos a inteligência!

Parte II

1 Vv. 6-8.
2 At 4.12.
3 Lc 8.1
4 2Co 5.19.
5 Fp 1.27.
6 1Co 1.18-24.
7 2Co 2.17.
8 1Ts 1.6 BJ.
9 1Tm 1.10.
10 Tt 1.9; cf. v.2; 2.8.
11 Cf. At 17.21.
12 Jo 8.36.
13 Lc 4.18,19.
14 Rm 8.2.
15 Mc 5.1-20.
16 Tt 1.14.
17 1Tm 1.6; 5.15; Tt 1.14.

Parte II
PREGAÇÃO E O PREGADOR II
O fato e o ato
"Conjuro-te, pois, diante de Deus e de Cristo Jesus, que há de julgar os vivos e os mortos, na sua vinda e no seu reino; prega a palavra, insta a tempo e fora de tempo, admoesta, repreende, exorta, com toda a longanimidade e ensino. Porque virá tempo em que não suportarão a sã doutrina; mas tendo coceira nos ouvidos, cercar-se-ão de mestres, segundo as suas próprias cobiças; e se recusarão a dar ouvidos à verdade, voltando às fábulas. Tu, porém, sê sóbrio em tudo, sofre as aflições, faze a obra de um evangelista, cumpre bem o teu ministério" (2 Timóteo 4.1-5).

A primeira parte deste estudo teve como tema central A PREGAÇÃO como missão cristã, como proclamação e ensino autorizado das doutrinas, princípios e leis espirituais deixados por Jesus Cristo. Nesta segunda parte, será analisada a figura do Proclamador, do mensageiro da mensagem do evangelho.

O PREGADOR (v. 5a)

"Tu, porém, sê sóbrio em tudo" (v. 5 a)

O preparo da mensagem começa com o preparo do mensageiro, lembrando que sua força vital é a mencionada em Mateus 10.20:

"...não sois vós que falais, mas o Espírito de vosso Pai é que fala em vós".

Não é fácil ser pastor. Humanamente falando, é uma tarefa complexa pelo fato que lida com missões tão amplas e, por vezes, tão divergentes. É preciso dependência de Deus, e de Sua graça e de Sua energia espiritual.1 Para ser ministro da palavra é preciso

salvação pessoal, chamada divina porque se for de homens, o pastor não resiste,
fidelidade à palavra de Deus, convicção de que fora de Jesus Cristo não há salvação,
convicção da existência do diabo (o candidato a pastor no concílio de exame disse não crer no diabo. Suspensão do concílio, e um pastor idoso disse aos colegas, "não se preocupem; basta um mês no pastorado e ele vai se convencer) , e
dedicação ao Espírito Santo.
Bushell afirmou com muita propriedade:

"A pregação não é outra coisa senão a explosão de uma vida que primeiramente se abasteceu de poder nas regiões onde o próprio Deus está entre os alicerces da alma"2

A primazia é que o pregador ame o Senhor3, por isso Paulo pode dizer,

"O Senhor esteve ao meu lado e me fortaleceu, para que por mim fosse cumprida a pregação..." 4

É isso que lhe dará integridade, da parte de Deus o shalom, palavra que quer dizer, inteireza, plenitude, totalidade, paz, saúde, salvação.

Do pregador é esperado que seja um "homem de Deus"5 e um "embaixador de Cristo"6. Há um poder, um peso simbólico no pastor/pregador, como disse Dr. Oates, que tem sido hoje altamente contestado, até porque há os defraudadores de evangelho7. Espera-se, ainda, que seja a encarnação da mensagem em conduta e estilo de vida. Que não haja contradição entre fatos e palavras, a "Síndrome de Apocalipse"8: aparência de cordeiro e voz de dragão.

O pregador há de ser sóbrio, sensível, vigilante, com mente sadia, auto-controlado, palavras, alíás, que se referem ao relacionamento das crenças e da estabilidade emocional do candidato ao ministério. Calvino deixou claro que "o ministro não pode ser escravo do seu estômago e da sua carteira".

"Sofre as aflições" (v. 5b)
E nem se pode fugir porque aquele que é chamado ao sofrimento pelo amor de Jesus Cristo padecerá perseguições".9 E também,

"Eu de muita boa vontade gastarei, e me deixarei gastar pelas vossas almas".10

Nossa geração está preocupada em evitar a dor . Há todo um imenso capítulo sobre o uso de analgésicos e anestésicos. Para alívio da dor, desde a popular aspirina até a codeína, para a insensibilidade total ou parcial do corpo o éter, o clorofórmio, a benzocaína. Já o cristão entende haver um momento para o sofrimento:

"se filho (é o salvo) também herdeiro, herdeiros de Deus e co-herdeiros de Cristo; se é certo que com ele padecemos, para que também com ele sejamos glorificados" .11

Existe base bíblica para uma teologia do sofrimento. Romanos 5.3 menciona uma glória nas tribulações, e essa glória decorre do fato de as aflições são vistas como a experiência do dia a dia do cristão. É um sinal de que Deus considerava os que as suportavam como dignos do Seu reino.12

Não há glória sem sofrimento, isso, porém, nào quer dizer qualquer dor, mas, sim, o sofrimento com Cristo, não é uma enxaqueca, uma mialgia ou mesmo um malígno câncer. Não é morbidez ou masoquismo do cristão. Assim, devemos sofrer com Cristo. Como foi, então, o Seu sofrimento? Que ou quem O fez sofrer? Foram pessoas , suas necessidades, tragédias, dores, resistência, má vontade e abandono. Jesus Cristo sofria com as pessoas. Chorou quando elas choraram.13 Sofreu por elas.14 Do mesmo modo, o pregador da Palavra há de sofrer com e pela igreja que lhe foi confiada, e pelo seu apostolado no mundo:

"Agora me regozijai no meio dos meus sofrimentos por vós, e cumpro na minha carne o que resta das aflições de Cristo por amor do seu corpo, que é a igreja" .15

O ministro da palavra deve sofrer as aflições por causa da verdade, visto que a pregação do evangelho sempre demanda exaustào e perseguição, e envolve a participação nos sofrimentos do Salvador, como tão bem coloca o apóstolo:

"Agora me regozijo no meio dos meus sofrimentos por vós, e cumpro na minha carne o que resta das aflições de Cristo, por amor de seu corpo, que é a igreja; da qual eu fui constituído ministro segundo a dispensação de Deus, que me foi concedida para convosco, a fim de cumprir a palavra de Deus".16

O pregador da palavra divina convive com qualidades variadas de problemas: solidão, tensões familiares, dificuldades da obra, onde o pior é que, em muitos casos, o conflito se desenvolve dentro do seio do povo de Deus (decepções, deslealdade, críticas ferinas, incompreensão, indiferença) George Whitefield até exclamou: "Não estou cansado da obra de Deus, mas, sim, na obra de Deus". É verdade , o cansaço pode trazer experiências divergentes: o estresse espiritual (algo seriísimo!) ou maior maturidade17. Que não se caia no pecado da reclamação contra o povo do Senhor, na "Síndrome de Moisés", o qual exclamava,

"Concebi eu porventura todo este povo? dei-o à luz, para que me dissesses: Leva-o ao teu colo..." ;18

nem no pecado da "síndrome de Elias" que à ameaça do perigo fugia e não confiava19. Paulo, ao contrário dos seus colegas de vocação, escreve um verdadeiro "Hino ao Apostolado" onde se humilha e posiciona diante do Deus Soberano que chama, habilita e protege.20 O ministro da palavra há de ser veludo por fora e aço por dentro em todas as circunstâncias, cordato e afetuoso não se deixando oxidar nem quebrar. Ou como afirma o apóstolo,

"ao servo do Senhor não convém contender, mas sim ser brando para com todos, apto para ensinar, paciente; corrigindo com mansidão os que resistem, na esperança de que Deus lhes conceda o arrependimento para conhecerem plenamente a verdade".21

"Se Por Acaso..."

Se por acaso perdeste a motivação do trabalho,
E os deveres te pesam;
Se perdeste uma série de amigos,
E a solidão te castiga;
Se por acaso perdeste o último raio de luz,
E andas no escuro;
Se teus objetivos parecem cada vez mais distantes,
E o ânimo de prosseguir desfalece;

Se alimentas as melhores intenções,
E, assim mesmo, te criticam;
Se teus pés feridos ostentam a marca
Das jornadas infinitas em busca de soluções
Que o tempo ainda não trouxe;
Se tuas mãos se alongam trêmulas na ânsia
De segurar outra mão que não podes reter
Porque não é tua;

Se teus ombros se alargam, e a cruz
Ainda não cabe. porque é ardua demais;
Se ergues os olhos, e o céu não responde
Às suplicas que fizeste;
Se amas o chão firme, e tens a impressão
De afundar no pântano da insegurança;
Se queres mar alto, e areias seguram
o navio dos teus sonhos;

Se falas, se gritas até,
e o vazio não devolve o eco à sua voz;
se gostarias de ser inteiro, total,
e te sentes parcelado, repartido, fragmentado,
um trapo de gente, talvez;

Se os nervos afloram,
e beiras os limiares do abismo da estafa;
Se a fé parece conversa fiada,
e nada do eterno te traz ressonância;
Se choraste tanto que já não descobres
as estrelas no alto.

Então, levanta o olhar para a cruz,
fixando Cristo bem nos olhos.
No lenho do Calvário, encontram-se
todas as respostas para aqueles que sofrem
e perdem a vontade de sorrir, de lutar, de viver.

Ajoelha-te aos pés de Cristo Ressuscitado,
como Tomé, o apóstolo incrédulo, e repete com ele:
"Meu Senhor e meu Deus!"

"Faze a obra de um evangelista" (V. 5c)

A palavra "evangelista" só três vezes aparece no Novo Testamento.22 Qual a obra do evangelista? Quem eram eles? Não precisamos nos cansar para verificar que a resposta imediata é que os apóstolos são evangelistas e tinham como qualificação especial estar com o Mestre e pregar.23 Após a ressureição, a principal preocupação deles tornou-se a pregação, e de tal modo que outros homens foram selecionados para cuidarem de outros assuntos relevantes porém mais terra-a-terra.24
Extraordinários homens esses evangelistas! Paulo aponta Jesus Cristo como tema único do seu ministério apostólico/evangelístico,25 a pregação da esperança, da alegria, da perseverança, o entusiamo que era passado aos ouvintes. O evangelista é, deste modo, um portador de boas notícias, não um agoureiro ou profeta da desgraça, mas um otimista, um apocalíptico no real sentido da palavra.

A única munição que o evangelista leva consigo é a autoridade de Cristo, que através do Seu Espirito concede esse dom especial da sua graça.26 O Novo Testamento oferece modelos da pregação evangelística: é o testemunho, quando o crente em Jesus Cristo não só conta a história, mas a sua parte naquela história;27 a proclamação, que é, como já visto, fazer o papel de porta-voz,28quando sempre se aguarda uma resposta;29 o ensino, pois que na prática não se deve dissociar a evangelização do ensino: o evangelista deve saber ensinar, e o mestre, evangelizar.30 Jerônimo até disse que "ninguém , deve se arrogar o título de pastor se não puder ensinar os que apascenta".31

Evangelização sem o "ensinar a guardar" resulta em crentes superficiais e nanicos. Ensino sem a pregação do arrependimento é ancilose. Não era o que acontecia na Igreja-dos-Primeiros-Dias conforme o declaram Atos 5.42 e 20.20. Perfeito exemplo de integração de ensino e pregação evangelistica se encontra em Atos 8.26-38, terminamos o texto por dizer qie Filipe o evangelizou e ouviu a pergunta que todo evangelista pede em oração para ouvir com maior freqüência, "que impede que eu seja batizado?" (v. 36b). Outro modelo é o convite no teor do Salmo 34.8, "provai, e vede que o Senhor é bom";32; a vida, posto que temos um ministério espetacular como o ensino de Paulo em 2Coríntios 3.18. Sim, mesmo a nossa luz33 é de menor grandeza refletindo a grandeza de primeira da luz do Senhor.34 É o desafio de viver como cristão de que fala o apóstolo em Romanos 12.1,2.

"cumpre bem o teu ministério" (v.5b )

O que há de ser feito com sinceridade e dependência do Espírito Santo com a dignidade da chamada que recebeu. Dennis Kinlaw salienta que o aspecto mais importante na pregação não é o preparo da mensagem, mas o do mensageiro. Isso significa que nossa prioridade máxima é ter momentos de comunhão com Jesus Cristo, pois chamou Jesus aos apóstolos "para que estivessem com ele" .35 E aos chamados levitas não foi designado, entre outros encargos "estar diante do Senhor servindo-o" ?36
Os ministros da Nova Aliança, como os profetas do Antigo Testamento, agem cheios do Espírito do Senhor, e Lucas insiste nisso: com respeito aos Doze, , a Pedro, aos Sete, a Estevão, a Filipe, a Saulo, a Barnabé e Paulo. 37

A comunhão de Jesus Cristo e Seu Espírito capacitará o ministro da palavra a ver as pessoas e os fatos como Cristo os vê . Sim, as previsões divinas são inesgotáveis,

"Quem permanece em mim e eu nele, esse dá muito fruto; porque sem mim nada podeis fazeis" .38

Isso explica João 14.23-26; 15.26,27; 16.7-13.

O ministro da palavra vive rodeado de perigos e tentações , razão porque necessita ser energizado pelo poder do Alto. Afinal, não é um mero profissional, nem um mero conselheiro, não é um mero orador. É , sim , um ministro da Nova Aliança, da Palavra e das ordenanças.39

A palavra "ministro"tem uma origem interessante. Era o perfeito contrário de "magistrado" e de "mestre" para os antigos romanos. Magister era o encarregado de administrar a justiça porque havia nele algo mais que os outros, os quais não tinham esse magis, essa competêncai além. Por sua vez , minister era o que tinha um minus, algo menos que os outros porque a serviço dos outros, das autoridades e dos senhores. É mesmo. O pastor é um paradoxo: é mestre porém ministro; possui um magis, o ser pastor-mestre,40 e um minus, seu ministério, ou como coloca Paulo "sou o menor..." 41

Precisamos de lábios ungidos pela brasa do altar, tanto quanto nossos ouvidos, mãos , pés e olhos.42 Nossa vida interior vai se refletir no púlpito. É nesse ponto que vale a pena citar Lutero o qual dizia que três coisas fazem o pastor: a oração, a meditação e a tentação, visto que as três lhe abrem a consciência para compreeder as grandes , magníficas, abençoadas verdades espirituais.43

Para bem cumprir seu apostolado, o ministro evangélico precisa estudar. Ele que já conhece o poder transformador de Deus, precisa estudar para bem manejar a Escritura. Jesus Cristo o ressaltou,

"Errais, não conhecendo as Escrituras nem o poder de Deus" 44

O pregador é intérprete da Bíblia, razão porque há de ser homem de estudo, de oração e profundamente inserido no tempo. Há de ter preparo teológico através das ciências bíblicas e teológicas, versado na Teologia Bíblica, na Teologia Sistemática, na Hermenêutica; homem de conhecimentos gerais, leitor de publicações especializadas, dos jornais diários, das revistas de comentário, da história. Há de ter preparo, e permanecer se preparando: é um homem sempre em formação, estudante perene da Bíblia, pesquisador de bons e variados comentários, estudante da teologia e profundo na doutrina.

O pregador da Palavra de Deus há de se alimentar constantemente da meditação das Escrituras, como na ordem a Ezequiel : "Filho do homem...come este rolo, e vai fala à casa de Israel,"45 ou na experiência de Jeremias: "Acharam-se as tuas palavras eram para mim o gozo e alegria do meu coração" 46

É uma contradição (seria melhor dizer aberração?) a pregação não-teológica. Seria o mesmo que falar em mecanismo não-mecânico, ou medicina não-médica, motivo pelo qual não é possível desvincular o preparo teológico de um ministério bem cumprido.

O apóstolo Paulo faz a Timóteo alguns apelos de cunho pessoal. Diz por exemplo:

"...(que) pelejes a boa peleja, conservando a fé, e uma boa cosciência.". 47

"Exercita-te a ti mesmo na piedade" .48

"Aplica-te à leitura, à exortação, e ao ensino.."49

"Conjuro-te... que sem prevenção guardes estas coisas, nada fazendo com parcialidade" .50

"Segue a justiça, a piedade, a fé , o amor , a constância, a mansidão" .51

"... guarda o depósito que te foi confiado, evitando as conversas vãs e profanas e as oposições da falsamente chamada ciência" .52

"Conserva o modelo das sãs palavras..." 53

"Procura apresentar-te diante de Deus aprovado, como obreiro de que não tem de que se envergonhar, que maneja bem a palavra da verdade" ,54

e outros tantos, e tantos outros de atualíssima aplicação na vida do obreiro do século atual.

De onde vem a força do pastor? Com atribuições tão variadas , e por vinte e quatro horas à disposição do seu rebanho, as suas forças espirituais, emocionais e físicas provém de, pelo menos, duas fontes:

Deus ("Posso todas as coisas naquele que me fortalece" 55) Aquele que chamou também o sustenta. Na experiência de chamada de algumas das personagens bíblicas, há um senso de inadequação, de estar aquém da vocação. Não foi assim com Amós?56 Com Jeremias?57 Com Ezequiel?58 Mas pelo poder do Senhor, a voz interior continua a falar: o desejo forte, continuado de fazer do ministério a ocupação suprema da vida:

"Se anuncio o evangelho, não tenho de que me gloriar, porque me é imposta essa obrigação; e ai de mim, se não anunciar o evangelho!" 59

Outra fonte é a sua igreja, por causa de duas importantes razões:

o conceito do Sacerdócio dos Crentes porque, precisando o pastor das orações do seu rebanho, espera que ele tome parte ativa na intercessão pelo seu ministério. Como o apóstolo aos gentios rogou: "Irmãos, orai por nós" .60
O outro conceito é o de Igreja Ministrante, a dimensão pastoral da igreja como um todo. O ministro dá e recebe forças: pastoreia e é pastoreado. Bendito feedback.!...
Se para o ministro jovem a palavra encorajadora é "ninguém despreze a tua mocidade..." ,61 para o pastor já experimentado nas lides do apostolado persiste a alegria de dizer com Paulo , "combati o bom combate, acabei a carreira e guardei a fé" .62

Utiliza-nos

Senhor, tu nos chamaste.
A inquietude que nos sobrevém
quando ouvimos tua palavra, o comprova.
Tu conheces nossa fraqueza.
Tu sabes com que vacilidade perdemos nosso ânimo.
Tu sabes como caminhamos com medo.
Nisto confiamos.
Trabalha em nós, se for a tua vontade.
Utiliza-nos e faze-nos úteis.
Não sabemos se resultará algo
de tudo o que fazemos em teu nome.
Mas a ferramenta não precisa temer
Pelo sentido da obra.
Nós somos teus instrumentos.
Tu nos tomaste em tua mão.
Utiliza-nos;
Dá o que tu queres,
quando tu queres e quando tu queres.
Faze comigo a tua vontade,
como melhor te agradar,
e assim que te reconhecemos em tua obra.
Coloca-me onde tu queres,
E dispõe de mim livremente.
Estou em tua mão.
Volta-te e envia-me para onde tu queres.
Sou teu servo.
Estou preparado para tudo.
Pois não quero viver para mim, e sim para ti,
e isto, totalmente
e de tal maneira que seja digno para ti.

( Thomas von Kempen )

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1 Js 1.9.
2 Cit. Harvey.
3 Cf. Jo 14.21.
4 2Tm 4.17.
5 Cf. 1Tm 6.11; 2Tm 3.17.
6 2Co 5.20.
7 Mt 7.15; 24.11,24; 2Pe 2.1; 1Jo 4.1.
8 Ap 13.11.
9 2Tm 3.12.
10 2Co 12.15.
11 Rm 8.17.
12 Cf. 2Ts 1.5; Mt 5.11,12; Lc 6.22; Jo 16.2; At 5.41; 8.1; 26.9-11; Fp 1.29; 2.17; Hb 10.32-36; Tg 1.2,3,12; 1Pe 2.19; 3.14; 4.13-16.
13 Jo 11.35.
14 Is 53.4,5,8; Hb 10.10.
15 Cl 1.24.
16 Cl 1.24,25; Cf. 2Tm 2.9-13; Fp 1.7,13,14,17; 2Pe 2.19-21.
17 Veja nos termos de Isaías 40.28-31.
18 Nm 11.12.
19 Cf. 1Rs 19.1-4.
20 1Co 4.9-13.
21 2Tm 2.24,25; Cf. 1Pe 5.2,3; Gl 6.1.
22 Ef 4.11; At 21.8; 2Tm 4.5.
23Cf. Mc 3.14; Lc 6.13.
24Cf. At. 6.1-6.
25 2Co 4.1-5; Cf. 1Co 1.17; 1Ts 2.1-15.
26 Cf. Ef 4.11.
27 Jo 4.1-42; Cf. vv. 29,39; 9.24,25; At 22.1-21.
28 At 2.14-36; 3.11-26; 4.7-30.
29 Hb 4.7,2.
30 Cf. Mt 4.23; At 15.35.
31 Cit. LACUEVA, p. 207.
32Cf. Mt 11.28; Mc 1.15; Jo 7.37; At 2.38; 17.30.
33 Mt 5.14.
34 Jo 8.12; 12.46.
35 Mc 3.13.
36 Dt 10.8.
37 At 2.4; 4.8,6.3,5,10; 7.55; 8.29ss; 9.17; 13.4,9.
38 Jo 15.5.
39 2Co 3.5,6; Cf. 1Co 3.5; Ef 3.5-8; Cl 1.25.
40 Ef 4.11.
41 1Co 15.59.
42 Is 6.6,7; Lv 8.23; Mt 6.22,23; Ap 3.18.
43 1Co 2.14.
44 Mt 22.29.
45 Ez 3.1.
46 Jr 15.16.
47 1Tm1.18b,19a.
48 1Tm 4.7b.
49 1Tm 4.13ss.
50 1Tm 5.21. 50
51 1Tm 6.11.
52 1Tm 6.20. 52
53 2Tm 1.13.
54 2Tm 2.15.
55 Fp 4.13.
56 Am 7.14,15.
57 Jr 1.6,7.
58 Ez 2.14.
59 1Co 9.16.
60 iTs 5.25.
61 1Tm 4.12.
62 2Tm 4.7.

Parte III
O VERBO E O PÚLPITO
o pregador e o seu auditório numa abordagem psicanalítica
A Natureza da Psicanálise e a Natureza da Pregação

Para se entender a Psicanálise, é preciso, antes de tudo, torná-la distinta de duas disciplinas com as quais freqüentemente é confundida.

A Natureza da Psicanálise

Quando se emprega o termo Psicanálise, a referência é "à descrição teórica da mente humana e ao sistema de psicoterapia a ela associado desenvolvido por Sigmund Freud em Viena", ensina KLINE (1). Utiliza-se a mesma designação para descrever sistemas semelhantes derivados da interpretação freudiana, como os de Adler, Jung, Fereczi, Reich, Klein, e outros tantos.

A Psiquiatria, por outro lado, é um ramo da Medicina dedicado ao tratamento das doenças mentais. Observe-se que a Psicanálise busca o alívio destes distúrbios procurando revelar os fatores que os determinam, podendo ser, até, técnica da própria Psiquiatria, ao passo que, onde a Psicanálise não encontrar reconhecimento, a Psiquiatria pode não incluí-la.

O terceiro termo é Psicologia, que é aplicado à ciência do comportamento. Existe, aliás, uma Psicologia Clínica que é essencial e basicamente psiquiátrica.

Visto isso, verifica-se que a Psicanálise nasceu com um propósito de base terapêutica, e tem sido considerada, ao longo desses cem anos (2), como "o mais moderno e eficiente - embora longo e dispendioso - método de tratamento dos desequilíbrios mentais" (3). Gastão Pereira da SILVA a denomina de "terapêutica da sinceridade".(4) O objetivo é "abrir o Inconsciente" do analisando, já que o Inconsciente é a razão da Psicanálise. O psicanalista utiliza basicamente o que é externado pela palavra, seja a narrativa de memórias, o sonho, as parapraxias (atos falhos ou lapsus linguae), os chistes (gracejos) e, mesmo, o silêncio como resistência e modo de comunicação.(5)

A Natureza da Pregação

MORAES, num artigo de título altamente sugestivo, aponta para a "Cumplicidade na Pregação", quando esclarece que

"tanto mais o pregador conhece e vive o conteúdo do seu sermão, tanto mais identificação há entre ele e a mensagem, tanto mais é possível ter ouvintes interessados e atentos" (6)

Esse interesse e atenção do ouvinte vem andar paralelamente ao conceito freudiano de Transferência, ponto capital em Psicanálise. No tratamento psicanalítico, a Transferência é uma ocorrência importantíssima, visto que todo o curso da análise dela depende.

Poderemos conceituá-la como a passagem dos afetos (7) do paciente para a pessoa do terapeuta ou analista. A Transferência não é uma conquista amorosa, embora haja um processo de "sedução" (no bom sentido, naturalmente), Não há, contudo, propósitos sexuais, mas de simpatia, ou "cumplicidade" para usar a expressão de MORAES. (8)

O que sucede no consultório e divã do psicanalista vai suceder no santuário e

púlpito quando este exerce um papel de "sedução" e se estabelece uma Transferência nos mesmos ou quase nos mesmos moldes da que acontece em psicoterapia. O livro de Ezequiel registra um como processo de Transferência dos filhos de Israel para com o excelente pregador que era esse profeta:

"Quanto a ti, ó filho do homem, os filhos do teu povo... vêm a ti, como o povo costuma vir, e se asentam diante de ti como meu povo... Deveras, tu és para eles como quem canta canções de amor, que tem voz suave, e que tange bem..." (9)

Na realidade, MORAES apresenta características da cumplicidade na Pregação que podem ser as da Psicanálise, quando ele ensina que:

A cumplicidade é um recurso necessário ao momento atual, sendo que o mesmo pode ser dito da Psicanálise.
A cumplicidade na pregação começa a acontecer antes mesmo da entrega da mensagem. Na prática psicanalítica, a Transferência leva o paciente a antegozar o momento da sessão de análise.
A cumplicidade na pregação exige do pregador um conhecimento do povo, seus problemas e anseios, o mesmo podendo ser afirmado do psicanalista que deve ser uma pessoa atualizada com o mundo e razoavelmente entendida em todas as áreas para poder conduzir a conversa com o seu paciente.
A cumplicidade deve estar presente na introdução do sermão. E assim ocorre quando do início da sessão de terapia.
A cumplicidade na pregação requer que a mensagem seja pregada com equilíbrio, do mesmo modo como o terapeuta conduzirá a sessão.
A cumplicidade na pregação é uma realidade quando o povo tem a oportunidade de participar. Não havendo Resistência (outro termo freudiano), o paciente participa bem, saindo plenamente aliviado da sessão de terapia, como abençoado do Culto pela pregação.
O Dr. Wayne OATES, autor e co-autor de mais de cinqüenta livros na área de Cuidado Pastoral (10), menciona em seu aclamado The Christian Pastor a questão do Ensino Pastoral, o Ministério da Pregação e o Cuidado Pastoral.(11) Elaborando este tema, diz o mencionado professor do Seminário Batista de Louisville, que o relacionamento pregação-pastoral propõe um paradoxo na abordagem que o pastor usa para ir ao encontro da vida do seu povo em termos de alvos, ideais, objetivos e propósitos para viver no Reino de Deus. Aborda, ainda, que o bom pregador depende, tanto quanto o bom pastor, de algumas leis da personalidade, para a sua eficiência. Menciona, também, o estabelecimento de um Rapport, termo usado em certas áreas como Transferência o é na Psicanálise; no entanto, acrescenta OATES, vai levar tempo e um relaxamento paciente de suspeitas e defesas de todo tipo. (12)

É natureza da Pregação, portanto, suprir as necessidades espirituais do povo de Deus através de uma pessoa idônea que comunique oralmente a mensagem divina extraída da Bíblia Sagrada com o poder e unção do Espírito Santo. Depreende-se que, por ser um recurso divinamente inspirado, a pregação assume as alturas de uma relação de ajuda.

VOCABULÁRIO DA PSICANÁLISE

Sem dúvida, expressões como consciente, inconsciente, ego, superego, mecanismo de defesa, repressão, regressão, projeção, ato falho, libido, fase oral, fase anal, fase fálico-genital, complexo de Édipo são largamente utilizadas pelo povo, apesar de o serem sem qualquer conceituação psicanalítica. São, no entanto, termos da Psicanálise freudiana. Torna-se imperativo entendê-las para uma abordagem psicanalítica da Pregação cristã.

Inconsciente e Cia.

Temos a chamada Teoria Topográfica, a qual trata, como diz o nome, da topografia do aparelho psíquico, que se divide em Inconsciente, Pré-consciente e Consciente. Filósofos, psicólogos e, naturalmente, psicanalistas admitem a existência de um Inconsciente. Thomas LIPPS afirmou que "o inconsciente deve ser considerado a base universal da vida psíquica". (13) Outrossim, MALEBRANCHE deduzia ser o Inconsciente originário de numerosas representações da impossibilidade da simultaneidade da apercepção. (14) E para Edward VON HARTMANN, os fenômenos inconscientes não estão submissos a uma regra da experiência, pois são sempre o "eterno inconsciente", de existência isolada, com propriedades transcendentes, e não passíveis de comprovação experimental.(15

Para o Inconsciente vão, por assim dizer, as idéias censuradas ou recalcadas. Gastão Pereira da SILVA usa a figura metafórica de um "presídio" ou "enxovia" na qual se acumulam as "más tendências psíquicas" (16). Esse recalque que vai para o Inconsciente pode ser um desejo, um sentimento ou ódio, de qualquer maneira, algo inacessível à pessoa. A principal linguagem do Inconsciente é a dos sonhos, dos atos falhos e a dos chistes, já o destacamos. "Abrir o Inconsciente", repetimos, é o propósito da Psicanálise.

O Pré-consciente, por sua vez, arquiva as idéias selecionadas que estão ao alcance

do Consciente, que é usado no dia-a-dia, pois qualquer sensação que possa ser descrita é consciente.

Ego, Superego e Id

A denominada Teoria Estrutural destaca os três mecanismos da Personalidade: o Id, o Superego e o Ego. O Id repousa inteiramente no Inconsciente, sendo que sua energia está quase totalmente à disposição dos instintos básicos que são o Eros (instinto de vida, do bem, tudo o que é positivo, bom, justo, animado e animador) e o Tanatos instinto de morte, do mal, de negativo, injusto, e rebaixador).

O Superego é um sistema de monitoramento e fonte de determinações morais e comportamentais, ou, como coloca HURDING, "uma voz 'interior paterna ou materna'"(17).

O Ego, por seu lado, tem por objetivo maior a "autopreservação do organismo", e como função principal a coordenação de funções e impulsos internos, bem como fazer com que os mesmos se expressem no mundo exterior sem conflitos.

Pulsão

É um conceito-limite entre o psíquico e o somático. (18) Há quem use a palavra Instinto em lugar de Pulsão, embora Freud tenha usado Instinto para caracterizar um comportamento animal preformador, hereditário e característico de uma espécie.

A Pulsão é um processo dinâmico que consiste em um impulso cuja fonte reside numa excitação corporal localizada. A fonte da pulsão, assim como sua meta, está no lado somático.

O desenvolvimento progressivo da teoria das pulsões deve ser dividido em três etapas:

Primeira etapa: caracteriza-se por um antagonismo entre a pulsão sexual e a pulsão de autoconservação.
Segunda etapa. Nesta dá-se o surgimento do Narcisismo.
Terceira etapa, que se constitui pela oposição entre a pulsão de vida (Eros) e a pulsão de morte (Tanatos).
A Pulsão é distanciada do Instinto por ter uma característica própria: o ser sempre parcial. Não pode ser totalizada, nem domesticada, e não precisa de coisa alguma para se manifestar.

Transferência

Referindo-se a este tema, Karen HORNEY afirma ser, na sua opinião, "a mais importante descoberta de Freud", pelo fato de que é possível a utilização terapêutica das reações emocionais do paciente em relação ao analista e à situação analítica. Este assunto já foi objeto de tratamento mais acima.

Resistência

Em termos clínicos, Resistência é tudo o que interrompe o trabalho psicanalítico. Freud ensina que "a resistência acompanha o trabalho psicanalítico em todos os seus passos" (19) FREITAS destaca de modo simples que a verdadeira Resistência é o medo ou vergonha de pedir ajuda e reconhecer as próprias limitações, bem como admitir os próprios problemas e a dificuldade de pedir ajuda. (20)

Ansiedade

A ansiedade é produzida pela competição existente em nossa sociedade, a qual se transfere para dentro de si. Sempre foi assim, e isso se torna agravado pela perda do Outro, pela perda de si mesmo e pela incapacidade frente ao novo. Essa ansiedade é chamada por HORNEY de "neurótica".(21) Impulsos hostis são a principal fonte de onde nasce a ansiedade neurótica

O VOCABULÁRIO DA PREGAÇÃO

Há, igualmente, um vocabulário utilizado pelo pregador e que tem como fonte a Teologia cristã e a Doutrina bíblica. São ricas e plenas de significado as palavras que o constituem e que são empregadas na comunicação do evangelho. Os conceitos mais destacados são Graça, Fé, Salvação, Justifica0ção, Santificação, Glorificação.

Graça
Efésios 2.8 declara que "Pela graça sois salvos, por meio da fé; e isto não vem de vós, é dom de Deus". Graça é o amor de Deus que por força do pecado é imerecido pelo ser humano. É a mais expressiva das palavras do vocabulário da pregação.


A fé é instrumental, básica e essencial, pois sem ela "é impossível agradar a Deus", como ensina Hebreus 6.11. A fé nos conduz à justificação, outro excelente vocábulo da fé cristã. (22)

Salvação
A obra de restauração do ser humano pela graça divina mediante a fé pessoal é chamada de salvação, e compreende três fases: a justificação, a santificação e a glorificação. A primeira ocorre num momento crítico do kairos, ponto de retorno de caminhada, e se estende na busca da semelhança a Jesus Cristo naquilo que é denominado santificação. A glorificação, ápice da obra salvadora, ocorre tão-sómente na Glória Eterna.

Paz
O resultado de toda a obra de salvação é trazer qualidade de vida ao convertido. Paz é a conseqüência da justificação.

NEUROSE E SEXUALIDADE NA IGREJA

Alguém jocosamente definiu o Neurótico como uma pessoa que constrói castelos no ar, o Psicótico como quem mora nele, e o Psicanalista como sendo aquele que cobra o aluguel. O fato é que a igreja é formada por uma quantidade de pessoas que podem ser classificadas como neuróticas, visto que "neurose é uma reação que afeta os aspectos de uma pessoa".(23) Difere do Psicótico porque a psicose implica na fragmentação de toda a personalidade.

O fato é a que Neurose resulta de um mecanismo de defesa: os impulsos do Id não conseguem ser devidamente sublimados e isso faz com que as repressões do Superego ganhem maior expressão, surgindo deslocamentos doentios através dos Mecanismos de Defesa como a Compensação, Projeção, Racionalização, Conversão. (24)

Os Neuróticos são pessoas que vivem com esses chamados Sintomas Neuróticos no seu dia a dia, sem qualquer alteração nas atividades normais. ELLIS esclarece o assunto com palavras simples: "Basicamente, é o indivíduo que age, com freqüência, de maneira ilógica, irracional, imprópria e infantil" (25). Certa gravidade surgirá quando o estado emocional se tornar por demais intenso e os sintomas se evidenciarem com muita clareza. Esses sintomas são principalmente a angústia, a ansiedade e as fobias. Mas há sempre a possibilidade de recuperação.

Mas não é fácil reconhecer um Neurótico que não deve ser confundido com o Infeliz. O Neurótico é quem por defeitos herdados ou adquiridos em idade precoce, não sabe pensar com clareza, agir como pessoa adulta e fazer as coisas de modo eficiente. Muitos neuróticos têm grande talento, inteligência elevada e boa aparência, no entanto, a sua condição psíquica atrapalha a capacidade potencial e as realizações efetivas.

Estes sofredores estão também na igreja portando dúvidas, indecisão, conflito, temor, ansiedade, sentimentos de inadequação, de culpa e autocensura, supersensibilidade e excesso de desconfiança, hostilidade, ressentimento, ineficiência, auto-engano, ausência de realismo, rigidez, timidez, afastamento, comportamento anti-social, insensatez, esquisitice, infelicidade, depressão, incapacidade de amar, egocentrismo, tensão, incapacidade de repousar, tendências obsessivas, inércia, falta de orientação, trabalho compulsivo, excesso de ambição, irresponsabilidade, fuga e autopunição, desejosos de uma libertação, de uma catarse, de uma ministração que lhes virá não somente de uma entrevista individual, de um trabalho de Psicoterapia de Grupo ou, ainda, do púlpito que transformará todo o Culto num grande espaço de Cuidado Pastoral, numa imensa relação de ajuda.(26)

O que faz a Neurose é a Repressão, a luta travada no interior do indivíduo, numa repetição da exclamação de Paulo, o apóstolo, que diz: "não faço o bem que quero, mas o mal que não quero, esse faço" (27). Essa tremenda Repressão ocorre geralmente em pessoas escravizadas a formas rígidas de educação e de moral, submissas que são a um implacável Superego e que vêem, quantas vezes, pecado e delito em atos que seriam considerados puros e normais por outras pessoas. Com a passagem do tempo, os afetos da psiquê fazem surgir enfermidades de natureza psicogênica, vestígios de sentimentos de culpa, e essas neuroses se mascaram e desnorteiam o indivíduo.

PSICOPATOLOGIA E PROBLEMAS RELIGIOSOS

Einstein afirmou certa ocasião que "A ciência sem religião é manca; a religião sem ciência é cega"(28) É um modo de dizer que não se pode prescindir de ambas as realidades; um modo de afirmar a verdade de ambas e como mutuamente podem se ajudar. Para o pastor/pregador, o conhecimento de si mesmo pela auto-análise e do aparato psíquico do seu rebanho pela análise de seu comportamento, suas angústias e necessidades é o mais poderoso instrumento para repassar a mensagem de que a esperança de cura existe: é só trabalhar com o kairos, o tempo de Deus, num labor paciente, tranqüilo, organizado através da terapêutica da palavra, do púlpito com mensagem preparada e ungida nos ditames de Jeremias 3.15, "Dar-vos-ei pastores segundo o meu coração, que vos apascentem com conhecimento e com inteligência".

Há, entretanto, certa qualidade de religião pessoal que pode ser classificada como enferma. Também estes estão nas igrejas. É a pessoa que, fazendo uma leitura ultralinear da Escritura Sagrada, transforma sua vida, a de familiares e a de outras pessoas num fardo tão pesado que quase não podem transportar. OATES no seu When Religion Gets Sick afirma que quando a religião fica enferma, prejudica de maneira total as funções básicas da vida.(29) Isso quer dizer que a disfunção é um critério para medir a enfermidade. Por exemplo, normal é a prática do jejum; recusar-se a se alimentar por ter medo do castigo de Deus, já é Neurose conduzindo a uma religião enferma.

Há psicopatologias que conduzem a uma religião doente. A idolatria, em todas as suas formas e a superstição são exemplos de religião enferma; a religião que não ensina a perdoar e a olhar com fé e esperança o futuro e os dias maus; a religião da amargura, do ódio e da perseguição está seriamente doente. Uma abordagem psicanalítica da pregação e do pregador levará em conta esses defeitos na fé. Na verdade, se a fé for do tamanho da menor semente tem esperança; mas se a proclamada fé tiver um lado estragado, uma "banda podre" para usar expressão popular bem atual, o remédio é trabalhar o Id, o Superego e o Ego do seu portador e arrumar seu Inconsciente de tal maneira que as manifestações do Superego como em Colossenses 2.20s ("por que vos sujeitais ainda a ordenanças, como se vivêsseis no mundo, como : não toques, não proves, não manuseies?") sejam substituídas por outros sentimentos como os estimulados por Paulo em Filipenses 4.8, que ensina,

"tudo o que é verdadeiro, tudo o que é honesto, tudo o que é justo, tudo o que é puro, tudo o que é amável, tudo o que é de boa fama, se há alguma virtude, e se há algum louvor, nisso pensai".

Este é um excelente roteiro para uma abertura do Inconsciente ou, se preferirem, para a solidez da consciência cristã.

PSICOSSOMÁTICA E PREGAÇÃO

Não podemos esquecer que o ser humano é um todo harmônico. Tanto a visão hebraica do 'adam (o ser humano) como Deus criou, quanto a Teoria Geral dos Sistemas tão bem conceituada por VON BERTALANFFY, são concordes em afirmar a unidade essencial da pessoa humana. Sempre ocorreu haver pessoas enfermas que sem apresentar lesões em órgãos do corpo, sofriam dos mesmos. Hoje essas pessoas são chamadas Neuróticas e tratadas de acordo, quando no passado a própria Medicina caminhava às cegas no tocante ao psiquismo humano.

A importância à psiquê passou a ser dada com os estudos de Freud e seus discípulos. A própria Psicanálise nasceu do trabalho desenvolvido por Freud a partir de um caso de Histeria, que influenciou a cética Medicina, que passou a dar maior importância ao sistema psíquico, anteriormente ignorado.

O surgimento da Medicina Psicossomática tirou os excessos tanto dos psicanalistas quanto dos médicos e colocou as coisas nos lugares adequados. Passou-se a compreender a interação corpo-mente. O psiquiatra MÁS DE AYALA fez uma equilibrada consideração quando afirmou que

"Em todas as épocas, havia-se observado as influências que as emoções agudas exercem sobre as funções do corpo. A cada situação emocional - alegria, pena, vergonha, ira - acompanha uma síndrome psicossomática, que tem lugar no ritmo cardíaco, na respiração, na irrigação sangüínea, nas secreções, no sistema muscular, etc. Não obstante isso ser velho como o mundo, a Medicina não os levava em conta, pois essas trocas psicomotoras pertencem à vida normal e ela só estudava os doentes no hospital. Do mesmo modo como a Fisiologia acadêmica se fez sobre rãs descerebradas e cachorros narcotizados, o que levou Letemendi a dizer: à medicina humana falta homem e sobra rã".(30)

Ao ocorrer um distúrbio somático, como o mau funcionamento de algum órgão, víscera ou glândula, o sistema psíquico recebe uma comunicação e inicia a manfestação de sintomas estranhos, muitas vezes diagnosticados como Neuroses quando são apenas descontrole orgânico. O contrário também ocorre: um distúrbio psíquico (não mental), mesmo momentâneo, transparece na forma de manifestações de colite, prisão de ventre, hemorróidas, constantes azias, hipertensão (ou hipotensão), taquicardia, má circulação nas mãos ou nos pés, dores musculares, alergias, urticárias, acne, sudorese excessiva, asma, bronquite crônica ou alérgica, rinite e laringite alérgicas, apnéia, diabetes, impotência, anorgasmia feminina, enurese, psoríase, vitiligo e tantas outras. Mulheres mal-amadas desenvolvem dores na coluna e dores de cabeça recorrentes; empregos inadequados ou mal recompensados trazem úlcera gástrica e enxaquecas. Os exemplos são inúmeros. A gravidez imaginária é um típico caso de psicossomatismo. Abortos ocorrem por problemas de ordem emocional, sejam eles medos, desgosto ou tensão nervosa. É um caso que a Psicanálise chama de Conversão.

E esse povo está tanto nos consultórios dos psicanalistas quanto nos santuários para ouvir a ministração do púlpito, o qual, em havendo a inteligência mencionada em Jeremias 3.15, transformará a igreja e a sua mensagem numa enorme comunidade terapêutica. Não era sem motivo que Jesus Cristo dizia ao suplicante que lhe pedia a cura física, "Filho, tem bom ânimo; os teus pecados estão perdoados", ou, ainda, "Tem bom ânimo filha, a tua fé te salvou" (31) Estes são apenas dois exemplos do divino interesse de Jesus pelo homem total, que vive angustiado, sentindo-se culpado e necessitado de perdão.

Angústia
Uma jovem que sofria de Angústia, após consulta a um ginecologista, descobriu que portava um distúrbio nos ovários. Tratada, a Angústia desapareceu. A tireóide, quando funciona mal, é responsável por alterações de humor no indivíduo. Muita gente considerada fria, impulsiva, alienada ou angustiada porta distúrbios na sua tireóide.

Para Freud, a Angústia define-se como sentimentos de medo e desamparo em relação a uma tensão de libido recalcada, uma expressão de libido reprimida. (32) MASSERMANN, citado por TALLAFERRO (33), propôs a seguinte conceituação "O afeto desagradável que acompanha uma tensão instintiva não satisfeita. É um sentimento difuso de mal-estar e apreensão que se reflete em distúrbios visceromotores e modificações da tensão muscular". GERKIN, falando das experiências de crise na vida hodierna e sua ministração pastoral, aborda o conceito de Angústia fazendo-a referir-se a uma dor aguda e profunda, sofrimento e aflição. (34)

Vezes tantas, a Angústia aparece ao mesmo tempo que palpitações, transpiração, diarréia e respiração ofegante, fenômenos fisiológicos que podem surgir com ou sem a consciência da Angústia. Consiste este sentimento em uma sensação de desamparo em relação ao perigo. O perigo pode ser externo ou interno: o temor de uma enchente, da viagem numa estrada reconhecidamente perigosa, ou a fraqueza, covardia ou falta de iniciativa. Por essa razão, a Angústia é considerada um dos principais problemas da Neurose, e pode originar-se tanto na ordem psíquica quanto na somática ou em ambas ao mesmo tempo.

Traumas de infância, medo de perdas, de ser abandonada, de não ser amada, temor da morte trazem Angústia, e esse povo quer direção segura do púlpito e orientação firme da Palavra de Deus, a qual coloca nos lábios de Jó expressões como, "falarei da angústia do meu espírito, queixar-me-ei na amargura da minha alma" (35), e na boca de Davi, "... consideraste a minha aflição, e conheceste as angústias da minha alma" (36).

Depressão
OATES ensina haver diferentes níveis de relacionamento na atividade do Cuidado Pastoral. É aí que psicanalista e pastor seguem rotas diferentes. É nos diferentes níveis de relacionamento que o ministro de Deus se torna amigo pessoal, vizinho, pastor-pregador, pastor-conselheiro e companheiro de outras atividades. Dependendo da situação em vista ou da emergência criada, o pastor deve saber o que fazer quando chamado a intervir. Isso vale igualmente no púlpito. Salienta, ainda, cinco níveis de Psicoterapia Pastoral, que são: o da Amizade, o do Conforto, o da Confissão, o do Ensino, o do Aconselhamento e Psicoterapia.

Pessoas em Depressão enquadram-se no nível do conforto. Há uma ligação muito forte entre a Depressão e a Melancolia, visto que em ambas o paciente se submete a incontáveis auto-reprovações: sente-se indigno, impõe-se punições, e é como se uma força que tem a finalidade de destruí-lo se desenvolvesse. Rejeita a alimentação, passa o tempo a dormir, não cuida de si e não se importa com os outros.. É um quadro semelhante ao do luto. (37)

Em muitas dessas pessoas, as razões para esta Depressão permanecem ignoradas no Inconsciente ou Pré-consciente, e as fazem precisar de um ministério de conforto que o púlpito deve trazer. É preciso ressaltar que a possibilidade de suicídio entre tais pessoas é altíssima, e que elas estão no nosso meio também . OATES, que é otimista nestes casos, afirma que a dor severa da depressão pode ser curada (38). Uma Terapia Breve, mesmo através da pregação, deve ter como primeiríssimo passo trabalhar a baixa auto-estima, seguindo-se a restauração da confiança pelas forças do Ego, o que o leigo chama de "massagear o ego", e a Bíblia destaca o "amar o próximo como a si mesmo" (39). O terceiro passo será a inversão da auto-agressão, seguido pelo estabelecimento de uma ligação da compreensão dos aspectos dinâmicos com a situação que precipitou a Depressão e as situações genéticas anteriores.

O pregador há, ainda, de oferecer apoio através da disponibilidade expressa (se tem treinamento adequado para lidar com a situação) ou fazer referência a um profissional da área de saúde mental. O pastor deve estar alerta para o fato de que a tentativa ou ameaça de suicídio é um pedido de socorro. É evidente que o pastor/pregador tem ao seu dispor recursos alheios ao tratamento psicanalítico: a atuação do Espírito Santo e o poder da oração. (40)

Sentimento de Culpa
Para muitos psicanalistas e psicólogos, a idéia de Culpa é a causa de inúmeras perturbações psíquicas. No entanto, a realidade verificada é que estes sentimentos são tão universais quanto o medo, a fome e o amor.

Para FREUD, os Sentimentos de Culpa são o resultado de pressões sociais. Nascem na mente da criança quando os pais a castigam, e não são outra coisas senão o medo de perder o amor deles. É conseqüência da construção e do reforço do Superego. JUNG, por sua vez, afirma ser a recusa da aceitação plena de si mesmo. DE ODIER distingue entre "culpa funcional" e "culpa de valores", sendo a primeira a conseqüência de uma sugestão social, medo de tabus ou de perder o amor das outras pessoas. A "culpa de valores" é a consciência genuína de que se transgrediu uma norma autêntica; é o juízo livre que o ser humano faz de si próprio sob uma convicção moral (41). Martin BUBER, o pensador judeu, expõe a "culpa genuína" e a "culpa neurótica" à qual chama também de "irreal", e para quem a culpa genuína sempre gira em torno de alguma violação das relações humanas, constituindo uma ruptura na relação Eu-Tu.

No conceito bíblico, a Culpa não pode ser separada do pecado: é desacato à autoridade de Deus, e nasce da transgressão de qualquer dos mandamentos revelados na Sua Palavra como bem o declara 1João 3.4: "Qualquer que comete pecado, também comete iniqüidade; porque o pecado é iniqüidade".

A estas pessoas, o púlpito pode ministrar levando-as à Confissão, Reparação da falta cometida logo que possível e Renúncia do pecado. O púlpito que ministra ao culpado lhe dirá como Jesus "Nem eu te condeno. Vai, e não peques mais". (42)

CONCLUSÃO: O RESULTADO

A Pregação tem seu lado terapêutico como acima exposto. E o objetivo do púlpito evangélico é levar o crente em Jesus Cristo a crescer. Crescer "na graça e no conhecimento de Jesus Cristo", aperfeiçoá-lo para o desempenho do ministério do seu ministério, e levá-lo "à medida da estatura da plenitude de Cristo"; conduzindo-o à abundância de vida libertando-o de suas mazelas, afetos e complexos. (43)

Esta relação de ajuda mantida pelo púlpito e ensino aumentará o conhecimento que cada um tem de si mesmo, levará o ouvinte/ovelha à auto-aceitação como um ato de maturidade, leva-lo-á a uma capacidade de estabelecer melhores relacionamentos com Deus, com os outros e com si mesmo, terá a confiança reforçada, liberdade de amar e alegria de viver porque tudo isso é o que a Psicanálise realiza e com muito mais propriedade a ministração cristã através da Pregação.

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Notas
(1) KLINE, p. 9.
(2) Em 1999, foi comemorado o centenário da obra de Freud A Interpretação dos Sonhos, trabalho essencial para a interpretação psicanalítica.
(3) MIRA Y LÓPEZ, p.48.
(4) SILVA, Gastão Pereira da, p. 143.
(5) Cf. SILVA, Gastão Pereira da, pp. 40ss.
(6) Cf. p. 103.
(7) "Afeto" em Psicanálise é tudo o que afeta uma pessoa, e não "afeição" conforme o uso comum da palavra.
(8) Cf. p. 103.
(9) Ez 33.30-32.
(10) Nos Estados Unidos utiliza-se a denominação Pastoral Care para designar a soma de atividades pastorais, de cura-de-almas, aconselhamento, capelania, etc.
(11) Cf. OATES, p. 141.
(12) Cf. OATES, pp. 146s.
(13) Cf. TALAFERRO, p. 39.
(14) Cf. TALAFERRO, p. 39.
(15) Cf. TALAFERRO, p. 39.
(16) Op. Cit, p. 34.
(17) Cf. p. 80. Daí o dito psicanalítico de que "Pai não morre".
(18) Cf. BRABANT, p. 25.
(19) Cf. WEISMANN, p. 23.
(20) Cf. p. 75.
(21) Cf. HORNEY, A Personalidade Neurótica do Nosso Tempo, p. 36.
(22) Rm 5.1.
(23) Cf. HURDING, p. 33.
(24) A palavra "Conversão" usada em Psicanálise não tem fundo religioso. Refere-se às reações somáticas provenientes de conflitos ou traumas psicológicos.
(25) ELLIS, p. 27.
(26) Cf. WILLIMON, William H. Worship as Pastoral Care.
(27) Cf. Rom 7.15ss.
(28) Citado por ZILBOORG, p. 128
(29) OATES, p. 20.
(30) Cit. SILVA, Valmir Adamor da, p. 20
(31) Cf Mt 9.1-7; 20-22.
(32) Cf. HORNEY, Novo Rumos na Psicanálise, p. 50.
(33) Cf., p. 171.
(34) Cf. p. 75.
(35) Jó 7.11.
(36) Sl 31.7.
(37) Cf. NUNBERG , p. 154.
(38) Cf. p. 201.
(39) Cf. Mt 22.39.
(40) SMALL sugere como traço adicional à Terapia Breve o que chama de "compreensão interna (insight) que, no caso do pastor/pregador, tem correspondência na Escritura Sagrada: 1Coríntios 12.10; Hebreus 4.12; 5.14.
(41) Cf. MARTINEZ, Vol 2, p. 63.
(42) Jo 8.11.
(43) Cf. 2Pe 3.18; Ef 4.11-13; Jo 10.10.

Parte IV
O VERBO E O PÚLPITO
o pregador e o seu auditório numa abordagem psicanalítica
A Natureza da Psicanálise e a Natureza da Pregação

Para se entender a Psicanálise, é preciso, antes de tudo, torná-la distinta de duas disciplinas com as quais freqüentemente é confundida.

A Natureza da Psicanálise

Quando se emprega o termo Psicanálise, a referência é "à descrição teórica da mente humana e ao sistema de psicoterapia a ela associado desenvolvido por Sigmund Freud em Viena", ensina KLINE (1). Utiliza-se a mesma designação para descrever sistemas semelhantes derivados da interpretação freudiana, como os de Adler, Jung, Fereczi, Reich, Klein, e outros tantos.

A Psiquiatria, por outro lado, é um ramo da Medicina dedicado ao tratamento das doenças mentais. Observe-se que a Psicanálise busca o alívio destes distúrbios procurando revelar os fatores que os determinam, podendo ser, até, técnica da própria Psiquiatria, ao passo que, onde a Psicanálise não encontrar reconhecimento, a Psiquiatria pode não incluí-la.

O terceiro termo é Psicologia, que é aplicado à ciência do comportamento. Existe, aliás, uma Psicologia Clínica que é essencial e basicamente psiquiátrica.

Visto isso, verifica-se que a Psicanálise nasceu com um propósito de base terapêutica, e tem sido considerada, ao longo desses cem anos (2), como "o mais moderno e eficiente - embora longo e dispendioso - método de tratamento dos desequilíbrios mentais" (3). Gastão Pereira da SILVA a denomina de "terapêutica da sinceridade".(4) O objetivo é "abrir o Inconsciente" do analisando, já que o Inconsciente é a razão da Psicanálise. O psicanalista utiliza basicamente o que é externado pela palavra, seja a narrativa de memórias, o sonho, as parapraxias (atos falhos ou lapsus linguae), os chistes (gracejos) e, mesmo, o silêncio como resistência e modo de comunicação.(5)

A Natureza da Pregação

MORAES, num artigo de título altamente sugestivo, aponta para a "Cumplicidade na Pregação", quando esclarece que

"tanto mais o pregador conhece e vive o conteúdo do seu sermão, tanto mais identificação há entre ele e a mensagem, tanto mais é possível ter ouvintes interessados e atentos" (6)

Esse interesse e atenção do ouvinte vem andar paralelamente ao conceito freudiano de Transferência, ponto capital em Psicanálise. No tratamento psicanalítico, a Transferência é uma ocorrência importantíssima, visto que todo o curso da análise dela depende.

Poderemos conceituá-la como a passagem dos afetos (7) do paciente para a pessoa do terapeuta ou analista. A Transferência não é uma conquista amorosa, embora haja um processo de "sedução" (no bom sentido, naturalmente), Não há, contudo, propósitos sexuais, mas de simpatia, ou "cumplicidade" para usar a expressão de MORAES. (8)

O que sucede no consultório e divã do psicanalista vai suceder no santuário e

púlpito quando este exerce um papel de "sedução" e se estabelece uma Transferência nos mesmos ou quase nos mesmos moldes da que acontece em psicoterapia. O livro de Ezequiel registra um como processo de Transferência dos filhos de Israel para com o excelente pregador que era esse profeta:

"Quanto a ti, ó filho do homem, os filhos do teu povo... vêm a ti, como o povo costuma vir, e se asentam diante de ti como meu povo... Deveras, tu és para eles como quem canta canções de amor, que tem voz suave, e que tange bem..." (9)

Na realidade, MORAES apresenta características da cumplicidade na Pregação que podem ser as da Psicanálise, quando ele ensina que:

A cumplicidade é um recurso necessário ao momento atual, sendo que o mesmo pode ser dito da Psicanálise.
A cumplicidade na pregação começa a acontecer antes mesmo da entrega da mensagem. Na prática psicanalítica, a Transferência leva o paciente a antegozar o momento da sessão de análise.
A cumplicidade na pregação exige do pregador um conhecimento do povo, seus problemas e anseios, o mesmo podendo ser afirmado do psicanalista que deve ser uma pessoa atualizada com o mundo e razoavelmente entendida em todas as áreas para poder conduzir a conversa com o seu paciente.
A cumplicidade deve estar presente na introdução do sermão. E assim ocorre quando do início da sessão de terapia.
A cumplicidade na pregação requer que a mensagem seja pregada com equilíbrio, do mesmo modo como o terapeuta conduzirá a sessão.
A cumplicidade na pregação é uma realidade quando o povo tem a oportunidade de participar. Não havendo Resistência (outro termo freudiano), o paciente participa bem, saindo plenamente aliviado da sessão de terapia, como abençoado do Culto pela pregação.
O Dr. Wayne OATES, autor e co-autor de mais de cinqüenta livros na área de Cuidado Pastoral (10), menciona em seu aclamado The Christian Pastor a questão do Ensino Pastoral, o Ministério da Pregação e o Cuidado Pastoral.(11) Elaborando este tema, diz o mencionado professor do Seminário Batista de Louisville, que o relacionamento pregação-pastoral propõe um paradoxo na abordagem que o pastor usa para ir ao encontro da vida do seu povo em termos de alvos, ideais, objetivos e propósitos para viver no Reino de Deus. Aborda, ainda, que o bom pregador depende, tanto quanto o bom pastor, de algumas leis da personalidade, para a sua eficiência. Menciona, também, o estabelecimento de um Rapport, termo usado em certas áreas como Transferência o é na Psicanálise; no entanto, acrescenta OATES, vai levar tempo e um relaxamento paciente de suspeitas e defesas de todo tipo. (12)

É natureza da Pregação, portanto, suprir as necessidades espirituais do povo de Deus através de uma pessoa idônea que comunique oralmente a mensagem divina extraída da Bíblia Sagrada com o poder e unção do Espírito Santo. Depreende-se que, por ser um recurso divinamente inspirado, a pregação assume as alturas de uma relação de ajuda.

VOCABULÁRIO DA PSICANÁLISE

Sem dúvida, expressões como consciente, inconsciente, ego, superego, mecanismo de defesa, repressão, regressão, projeção, ato falho, libido, fase oral, fase anal, fase fálico-genital, complexo de Édipo são largamente utilizadas pelo povo, apesar de o serem sem qualquer conceituação psicanalítica. São, no entanto, termos da Psicanálise freudiana. Torna-se imperativo entendê-las para uma abordagem psicanalítica da Pregação cristã.

Inconsciente e Cia.

Temos a chamada Teoria Topográfica, a qual trata, como diz o nome, da topografia do aparelho psíquico, que se divide em Inconsciente, Pré-consciente e Consciente. Filósofos, psicólogos e, naturalmente, psicanalistas admitem a existência de um Inconsciente. Thomas LIPPS afirmou que "o inconsciente deve ser considerado a base universal da vida psíquica". (13) Outrossim, MALEBRANCHE deduzia ser o Inconsciente originário de numerosas representações da impossibilidade da simultaneidade da apercepção. (14) E para Edward VON HARTMANN, os fenômenos inconscientes não estão submissos a uma regra da experiência, pois são sempre o "eterno inconsciente", de existência isolada, com propriedades transcendentes, e não passíveis de comprovação experimental.(15

Para o Inconsciente vão, por assim dizer, as idéias censuradas ou recalcadas. Gastão Pereira da SILVA usa a figura metafórica de um "presídio" ou "enxovia" na qual se acumulam as "más tendências psíquicas" (16). Esse recalque que vai para o Inconsciente pode ser um desejo, um sentimento ou ódio, de qualquer maneira, algo inacessível à pessoa. A principal linguagem do Inconsciente é a dos sonhos, dos atos falhos e a dos chistes, já o destacamos. "Abrir o Inconsciente", repetimos, é o propósito da Psicanálise.

O Pré-consciente, por sua vez, arquiva as idéias selecionadas que estão ao alcance

do Consciente, que é usado no dia-a-dia, pois qualquer sensação que possa ser descrita é consciente.

Ego, Superego e Id

A denominada Teoria Estrutural destaca os três mecanismos da Personalidade: o Id, o Superego e o Ego. O Id repousa inteiramente no Inconsciente, sendo que sua energia está quase totalmente à disposição dos instintos básicos que são o Eros (instinto de vida, do bem, tudo o que é positivo, bom, justo, animado e animador) e o Tanatos instinto de morte, do mal, de negativo, injusto, e rebaixador).

O Superego é um sistema de monitoramento e fonte de determinações morais e comportamentais, ou, como coloca HURDING, "uma voz 'interior paterna ou materna'"(17).

O Ego, por seu lado, tem por objetivo maior a "autopreservação do organismo", e como função principal a coordenação de funções e impulsos internos, bem como fazer com que os mesmos se expressem no mundo exterior sem conflitos.

Pulsão

É um conceito-limite entre o psíquico e o somático. (18) Há quem use a palavra Instinto em lugar de Pulsão, embora Freud tenha usado Instinto para caracterizar um comportamento animal preformador, hereditário e característico de uma espécie.

A Pulsão é um processo dinâmico que consiste em um impulso cuja fonte reside numa excitação corporal localizada. A fonte da pulsão, assim como sua meta, está no lado somático.

O desenvolvimento progressivo da teoria das pulsões deve ser dividido em três etapas:

Primeira etapa: caracteriza-se por um antagonismo entre a pulsão sexual e a pulsão de autoconservação.
Segunda etapa. Nesta dá-se o surgimento do Narcisismo.
Terceira etapa, que se constitui pela oposição entre a pulsão de vida (Eros) e a pulsão de morte (Tanatos).
A Pulsão é distanciada do Instinto por ter uma característica própria: o ser sempre parcial. Não pode ser totalizada, nem domesticada, e não precisa de coisa alguma para se manifestar.

Transferência

Referindo-se a este tema, Karen HORNEY afirma ser, na sua opinião, "a mais importante descoberta de Freud", pelo fato de que é possível a utilização terapêutica das reações emocionais do paciente em relação ao analista e à situação analítica. Este assunto já foi objeto de tratamento mais acima.

Resistência

Em termos clínicos, Resistência é tudo o que interrompe o trabalho psicanalítico. Freud ensina que "a resistência acompanha o trabalho psicanalítico em todos os seus passos" (19) FREITAS destaca de modo simples que a verdadeira Resistência é o medo ou vergonha de pedir ajuda e reconhecer as próprias limitações, bem como admitir os próprios problemas e a dificuldade de pedir ajuda. (20)

Ansiedade

A ansiedade é produzida pela competição existente em nossa sociedade, a qual se transfere para dentro de si. Sempre foi assim, e isso se torna agravado pela perda do Outro, pela perda de si mesmo e pela incapacidade frente ao novo. Essa ansiedade é chamada por HORNEY de "neurótica".(21) Impulsos hostis são a principal fonte de onde nasce a ansiedade neurótica

O VOCABULÁRIO DA PREGAÇÃO

Há, igualmente, um vocabulário utilizado pelo pregador e que tem como fonte a Teologia cristã e a Doutrina bíblica. São ricas e plenas de significado as palavras que o constituem e que são empregadas na comunicação do evangelho. Os conceitos mais destacados são Graça, Fé, Salvação, Justifica0ção, Santificação, Glorificação.

Graça
Efésios 2.8 declara que "Pela graça sois salvos, por meio da fé; e isto não vem de vós, é dom de Deus". Graça é o amor de Deus que por força do pecado é imerecido pelo ser humano. É a mais expressiva das palavras do vocabulário da pregação.


A fé é instrumental, básica e essencial, pois sem ela "é impossível agradar a Deus", como ensina Hebreus 6.11. A fé nos conduz à justificação, outro excelente vocábulo da fé cristã. (22)

Salvação
A obra de restauração do ser humano pela graça divina mediante a fé pessoal é chamada de salvação, e compreende três fases: a justificação, a santificação e a glorificação. A primeira ocorre num momento crítico do kairos, ponto de retorno de caminhada, e se estende na busca da semelhança a Jesus Cristo naquilo que é denominado santificação. A glorificação, ápice da obra salvadora, ocorre tão-sómente na Glória Eterna.

Paz
O resultado de toda a obra de salvação é trazer qualidade de vida ao convertido. Paz é a conseqüência da justificação.

NEUROSE E SEXUALIDADE NA IGREJA

Alguém jocosamente definiu o Neurótico como uma pessoa que constrói castelos no ar, o Psicótico como quem mora nele, e o Psicanalista como sendo aquele que cobra o aluguel. O fato é que a igreja é formada por uma quantidade de pessoas que podem ser classificadas como neuróticas, visto que "neurose é uma reação que afeta os aspectos de uma pessoa".(23) Difere do Psicótico porque a psicose implica na fragmentação de toda a personalidade.

O fato é a que Neurose resulta de um mecanismo de defesa: os impulsos do Id não conseguem ser devidamente sublimados e isso faz com que as repressões do Superego ganhem maior expressão, surgindo deslocamentos doentios através dos Mecanismos de Defesa como a Compensação, Projeção, Racionalização, Conversão. (24)

Os Neuróticos são pessoas que vivem com esses chamados Sintomas Neuróticos no seu dia a dia, sem qualquer alteração nas atividades normais. ELLIS esclarece o assunto com palavras simples: "Basicamente, é o indivíduo que age, com freqüência, de maneira ilógica, irracional, imprópria e infantil" (25). Certa gravidade surgirá quando o estado emocional se tornar por demais intenso e os sintomas se evidenciarem com muita clareza. Esses sintomas são principalmente a angústia, a ansiedade e as fobias. Mas há sempre a possibilidade de recuperação.

Mas não é fácil reconhecer um Neurótico que não deve ser confundido com o Infeliz. O Neurótico é quem por defeitos herdados ou adquiridos em idade precoce, não sabe pensar com clareza, agir como pessoa adulta e fazer as coisas de modo eficiente. Muitos neuróticos têm grande talento, inteligência elevada e boa aparência, no entanto, a sua condição psíquica atrapalha a capacidade potencial e as realizações efetivas.

Estes sofredores estão também na igreja portando dúvidas, indecisão, conflito, temor, ansiedade, sentimentos de inadequação, de culpa e autocensura, supersensibilidade e excesso de desconfiança, hostilidade, ressentimento, ineficiência, auto-engano, ausência de realismo, rigidez, timidez, afastamento, comportamento anti-social, insensatez, esquisitice, infelicidade, depressão, incapacidade de amar, egocentrismo, tensão, incapacidade de repousar, tendências obsessivas, inércia, falta de orientação, trabalho compulsivo, excesso de ambição, irresponsabilidade, fuga e autopunição, desejosos de uma libertação, de uma catarse, de uma ministração que lhes virá não somente de uma entrevista individual, de um trabalho de Psicoterapia de Grupo ou, ainda, do púlpito que transformará todo o Culto num grande espaço de Cuidado Pastoral, numa imensa relação de ajuda.(26)

O que faz a Neurose é a Repressão, a luta travada no interior do indivíduo, numa repetição da exclamação de Paulo, o apóstolo, que diz: "não faço o bem que quero, mas o mal que não quero, esse faço" (27). Essa tremenda Repressão ocorre geralmente em pessoas escravizadas a formas rígidas de educação e de moral, submissas que são a um implacável Superego e que vêem, quantas vezes, pecado e delito em atos que seriam considerados puros e normais por outras pessoas. Com a passagem do tempo, os afetos da psiquê fazem surgir enfermidades de natureza psicogênica, vestígios de sentimentos de culpa, e essas neuroses se mascaram e desnorteiam o indivíduo.

PSICOPATOLOGIA E PROBLEMAS RELIGIOSOS

Einstein afirmou certa ocasião que "A ciência sem religião é manca; a religião sem ciência é cega"(28) É um modo de dizer que não se pode prescindir de ambas as realidades; um modo de afirmar a verdade de ambas e como mutuamente podem se ajudar. Para o pastor/pregador, o conhecimento de si mesmo pela auto-análise e do aparato psíquico do seu rebanho pela análise de seu comportamento, suas angústias e necessidades é o mais poderoso instrumento para repassar a mensagem de que a esperança de cura existe: é só trabalhar com o kairos, o tempo de Deus, num labor paciente, tranqüilo, organizado através da terapêutica da palavra, do púlpito com mensagem preparada e ungida nos ditames de Jeremias 3.15, "Dar-vos-ei pastores segundo o meu coração, que vos apascentem com conhecimento e com inteligência".

Há, entretanto, certa qualidade de religião pessoal que pode ser classificada como enferma. Também estes estão nas igrejas. É a pessoa que, fazendo uma leitura ultralinear da Escritura Sagrada, transforma sua vida, a de familiares e a de outras pessoas num fardo tão pesado que quase não podem transportar. OATES no seu When Religion Gets Sick afirma que quando a religião fica enferma, prejudica de maneira total as funções básicas da vida.(29) Isso quer dizer que a disfunção é um critério para medir a enfermidade. Por exemplo, normal é a prática do jejum; recusar-se a se alimentar por ter medo do castigo de Deus, já é Neurose conduzindo a uma religião enferma.

Há psicopatologias que conduzem a uma religião doente. A idolatria, em todas as suas formas e a superstição são exemplos de religião enferma; a religião que não ensina a perdoar e a olhar com fé e esperança o futuro e os dias maus; a religião da amargura, do ódio e da perseguição está seriamente doente. Uma abordagem psicanalítica da pregação e do pregador levará em conta esses defeitos na fé. Na verdade, se a fé for do tamanho da menor semente tem esperança; mas se a proclamada fé tiver um lado estragado, uma "banda podre" para usar expressão popular bem atual, o remédio é trabalhar o Id, o Superego e o Ego do seu portador e arrumar seu Inconsciente de tal maneira que as manifestações do Superego como em Colossenses 2.20s ("por que vos sujeitais ainda a ordenanças, como se vivêsseis no mundo, como : não toques, não proves, não manuseies?") sejam substituídas por outros sentimentos como os estimulados por Paulo em Filipenses 4.8, que ensina,

"tudo o que é verdadeiro, tudo o que é honesto, tudo o que é justo, tudo o que é puro, tudo o que é amável, tudo o que é de boa fama, se há alguma virtude, e se há algum louvor, nisso pensai".

Este é um excelente roteiro para uma abertura do Inconsciente ou, se preferirem, para a solidez da consciência cristã.

PSICOSSOMÁTICA E PREGAÇÃO

Não podemos esquecer que o ser humano é um todo harmônico. Tanto a visão hebraica do 'adam (o ser humano) como Deus criou, quanto a Teoria Geral dos Sistemas tão bem conceituada por VON BERTALANFFY, são concordes em afirmar a unidade essencial da pessoa humana. Sempre ocorreu haver pessoas enfermas que sem apresentar lesões em órgãos do corpo, sofriam dos mesmos. Hoje essas pessoas são chamadas Neuróticas e tratadas de acordo, quando no passado a própria Medicina caminhava às cegas no tocante ao psiquismo humano.

A importância à psiquê passou a ser dada com os estudos de Freud e seus discípulos. A própria Psicanálise nasceu do trabalho desenvolvido por Freud a partir de um caso de Histeria, que influenciou a cética Medicina, que passou a dar maior importância ao sistema psíquico, anteriormente ignorado.

O surgimento da Medicina Psicossomática tirou os excessos tanto dos psicanalistas quanto dos médicos e colocou as coisas nos lugares adequados. Passou-se a compreender a interação corpo-mente. O psiquiatra MÁS DE AYALA fez uma equilibrada consideração quando afirmou que

"Em todas as épocas, havia-se observado as influências que as emoções agudas exercem sobre as funções do corpo. A cada situação emocional - alegria, pena, vergonha, ira - acompanha uma síndrome psicossomática, que tem lugar no ritmo cardíaco, na respiração, na irrigação sangüínea, nas secreções, no sistema muscular, etc. Não obstante isso ser velho como o mundo, a Medicina não os levava em conta, pois essas trocas psicomotoras pertencem à vida normal e ela só estudava os doentes no hospital. Do mesmo modo como a Fisiologia acadêmica se fez sobre rãs descerebradas e cachorros narcotizados, o que levou Letemendi a dizer: à medicina humana falta homem e sobra rã".(30)

Ao ocorrer um distúrbio somático, como o mau funcionamento de algum órgão, víscera ou glândula, o sistema psíquico recebe uma comunicação e inicia a manfestação de sintomas estranhos, muitas vezes diagnosticados como Neuroses quando são apenas descontrole orgânico. O contrário também ocorre: um distúrbio psíquico (não mental), mesmo momentâneo, transparece na forma de manifestações de colite, prisão de ventre, hemorróidas, constantes azias, hipertensão (ou hipotensão), taquicardia, má circulação nas mãos ou nos pés, dores musculares, alergias, urticárias, acne, sudorese excessiva, asma, bronquite crônica ou alérgica, rinite e laringite alérgicas, apnéia, diabetes, impotência, anorgasmia feminina, enurese, psoríase, vitiligo e tantas outras. Mulheres mal-amadas desenvolvem dores na coluna e dores de cabeça recorrentes; empregos inadequados ou mal recompensados trazem úlcera gástrica e enxaquecas. Os exemplos são inúmeros. A gravidez imaginária é um típico caso de psicossomatismo. Abortos ocorrem por problemas de ordem emocional, sejam eles medos, desgosto ou tensão nervosa. É um caso que a Psicanálise chama de Conversão.

E esse povo está tanto nos consultórios dos psicanalistas quanto nos santuários para ouvir a ministração do púlpito, o qual, em havendo a inteligência mencionada em Jeremias 3.15, transformará a igreja e a sua mensagem numa enorme comunidade terapêutica. Não era sem motivo que Jesus Cristo dizia ao suplicante que lhe pedia a cura física, "Filho, tem bom ânimo; os teus pecados estão perdoados", ou, ainda, "Tem bom ânimo filha, a tua fé te salvou" (31) Estes são apenas dois exemplos do divino interesse de Jesus pelo homem total, que vive angustiado, sentindo-se culpado e necessitado de perdão.

Angústia
Uma jovem que sofria de Angústia, após consulta a um ginecologista, descobriu que portava um distúrbio nos ovários. Tratada, a Angústia desapareceu. A tireóide, quando funciona mal, é responsável por alterações de humor no indivíduo. Muita gente considerada fria, impulsiva, alienada ou angustiada porta distúrbios na sua tireóide.

Para Freud, a Angústia define-se como sentimentos de medo e desamparo em relação a uma tensão de libido recalcada, uma expressão de libido reprimida. (32) MASSERMANN, citado por TALLAFERRO (33), propôs a seguinte conceituação "O afeto desagradável que acompanha uma tensão instintiva não satisfeita. É um sentimento difuso de mal-estar e apreensão que se reflete em distúrbios visceromotores e modificações da tensão muscular". GERKIN, falando das experiências de crise na vida hodierna e sua ministração pastoral, aborda o conceito de Angústia fazendo-a referir-se a uma dor aguda e profunda, sofrimento e aflição. (34)

Vezes tantas, a Angústia aparece ao mesmo tempo que palpitações, transpiração, diarréia e respiração ofegante, fenômenos fisiológicos que podem surgir com ou sem a consciência da Angústia. Consiste este sentimento em uma sensação de desamparo em relação ao perigo. O perigo pode ser externo ou interno: o temor de uma enchente, da viagem numa estrada reconhecidamente perigosa, ou a fraqueza, covardia ou falta de iniciativa. Por essa razão, a Angústia é considerada um dos principais problemas da Neurose, e pode originar-se tanto na ordem psíquica quanto na somática ou em ambas ao mesmo tempo.

Traumas de infância, medo de perdas, de ser abandonada, de não ser amada, temor da morte trazem Angústia, e esse povo quer direção segura do púlpito e orientação firme da Palavra de Deus, a qual coloca nos lábios de Jó expressões como, "falarei da angústia do meu espírito, queixar-me-ei na amargura da minha alma" (35), e na boca de Davi, "... consideraste a minha aflição, e conheceste as angústias da minha alma" (36).

Depressão
OATES ensina haver diferentes níveis de relacionamento na atividade do Cuidado Pastoral. É aí que psicanalista e pastor seguem rotas diferentes. É nos diferentes níveis de relacionamento que o ministro de Deus se torna amigo pessoal, vizinho, pastor-pregador, pastor-conselheiro e companheiro de outras atividades. Dependendo da situação em vista ou da emergência criada, o pastor deve saber o que fazer quando chamado a intervir. Isso vale igualmente no púlpito. Salienta, ainda, cinco níveis de Psicoterapia Pastoral, que são: o da Amizade, o do Conforto, o da Confissão, o do Ensino, o do Aconselhamento e Psicoterapia.

Pessoas em Depressão enquadram-se no nível do conforto. Há uma ligação muito forte entre a Depressão e a Melancolia, visto que em ambas o paciente se submete a incontáveis auto-reprovações: sente-se indigno, impõe-se punições, e é como se uma força que tem a finalidade de destruí-lo se desenvolvesse. Rejeita a alimentação, passa o tempo a dormir, não cuida de si e não se importa com os outros.. É um quadro semelhante ao do luto. (37)

Em muitas dessas pessoas, as razões para esta Depressão permanecem ignoradas no Inconsciente ou Pré-consciente, e as fazem precisar de um ministério de conforto que o púlpito deve trazer. É preciso ressaltar que a possibilidade de suicídio entre tais pessoas é altíssima, e que elas estão no nosso meio também . OATES, que é otimista nestes casos, afirma que a dor severa da depressão pode ser curada (38). Uma Terapia Breve, mesmo através da pregação, deve ter como primeiríssimo passo trabalhar a baixa auto-estima, seguindo-se a restauração da confiança pelas forças do Ego, o que o leigo chama de "massagear o ego", e a Bíblia destaca o "amar o próximo como a si mesmo" (39). O terceiro passo será a inversão da auto-agressão, seguido pelo estabelecimento de uma ligação da compreensão dos aspectos dinâmicos com a situação que precipitou a Depressão e as situações genéticas anteriores.

O pregador há, ainda, de oferecer apoio através da disponibilidade expressa (se tem treinamento adequado para lidar com a situação) ou fazer referência a um profissional da área de saúde mental. O pastor deve estar alerta para o fato de que a tentativa ou ameaça de suicídio é um pedido de socorro. É evidente que o pastor/pregador tem ao seu dispor recursos alheios ao tratamento psicanalítico: a atuação do Espírito Santo e o poder da oração. (40)

Sentimento de Culpa
Para muitos psicanalistas e psicólogos, a idéia de Culpa é a causa de inúmeras perturbações psíquicas. No entanto, a realidade verificada é que estes sentimentos são tão universais quanto o medo, a fome e o amor.

Para FREUD, os Sentimentos de Culpa são o resultado de pressões sociais. Nascem na mente da criança quando os pais a castigam, e não são outra coisas senão o medo de perder o amor deles. É conseqüência da construção e do reforço do Superego. JUNG, por sua vez, afirma ser a recusa da aceitação plena de si mesmo. DE ODIER distingue entre "culpa funcional" e "culpa de valores", sendo a primeira a conseqüência de uma sugestão social, medo de tabus ou de perder o amor das outras pessoas. A "culpa de valores" é a consciência genuína de que se transgrediu uma norma autêntica; é o juízo livre que o ser humano faz de si próprio sob uma convicção moral (41). Martin BUBER, o pensador judeu, expõe a "culpa genuína" e a "culpa neurótica" à qual chama também de "irreal", e para quem a culpa genuína sempre gira em torno de alguma violação das relações humanas, constituindo uma ruptura na relação Eu-Tu.

No conceito bíblico, a Culpa não pode ser separada do pecado: é desacato à autoridade de Deus, e nasce da transgressão de qualquer dos mandamentos revelados na Sua Palavra como bem o declara 1João 3.4: "Qualquer que comete pecado, também comete iniqüidade; porque o pecado é iniqüidade".

A estas pessoas, o púlpito pode ministrar levando-as à Confissão, Reparação da falta cometida logo que possível e Renúncia do pecado. O púlpito que ministra ao culpado lhe dirá como Jesus "Nem eu te condeno. Vai, e não peques mais". (42)

CONCLUSÃO: O RESULTADO

A Pregação tem seu lado terapêutico como acima exposto. E o objetivo do púlpito evangélico é levar o crente em Jesus Cristo a crescer. Crescer "na graça e no conhecimento de Jesus Cristo", aperfeiçoá-lo para o desempenho do ministério do seu ministério, e levá-lo "à medida da estatura da plenitude de Cristo"; conduzindo-o à abundância de vida libertando-o de suas mazelas, afetos e complexos. (43)

Esta relação de ajuda mantida pelo púlpito e ensino aumentará o conhecimento que cada um tem de si mesmo, levará o ouvinte/ovelha à auto-aceitação como um ato de maturidade, leva-lo-á a uma capacidade de estabelecer melhores relacionamentos com Deus, com os outros e com si mesmo, terá a confiança reforçada, liberdade de amar e alegria de viver porque tudo isso é o que a Psicanálise realiza e com muito mais propriedade a ministração cristã através da Pregação.

FONTES PRIMÁRIAS

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Notas
(1) KLINE, p. 9.
(2) Em 1999, foi comemorado o centenário da obra de Freud A Interpretação dos Sonhos, trabalho essencial para a interpretação psicanalítica.
(3) MIRA Y LÓPEZ, p.48.
(4) SILVA, Gastão Pereira da, p. 143.
(5) Cf. SILVA, Gastão Pereira da, pp. 40ss.
(6) Cf. p. 103.
(7) "Afeto" em Psicanálise é tudo o que afeta uma pessoa, e não "afeição" conforme o uso comum da palavra.
(8) Cf. p. 103.
(9) Ez 33.30-32.
(10) Nos Estados Unidos utiliza-se a denominação Pastoral Care para designar a soma de atividades pastorais, de cura-de-almas, aconselhamento, capelania, etc.
(11) Cf. OATES, p. 141.
(12) Cf. OATES, pp. 146s.
(13) Cf. TALAFERRO, p. 39.
(14) Cf. TALAFERRO, p. 39.
(15) Cf. TALAFERRO, p. 39.
(16) Op. Cit, p. 34.
(17) Cf. p. 80. Daí o dito psicanalítico de que "Pai não morre".
(18) Cf. BRABANT, p. 25.
(19) Cf. WEISMANN, p. 23.
(20) Cf. p. 75.
(21) Cf. HORNEY, A Personalidade Neurótica do Nosso Tempo, p. 36.
(22) Rm 5.1.
(23) Cf. HURDING, p. 33.
(24) A palavra "Conversão" usada em Psicanálise não tem fundo religioso. Refere-se às reações somáticas provenientes de conflitos ou traumas psicológicos.
(25) ELLIS, p. 27.
(26) Cf. WILLIMON, William H. Worship as Pastoral Care.
(27) Cf. Rom 7.15ss.
(28) Citado por ZILBOORG, p. 128
(29) OATES, p. 20.
(30) Cit. SILVA, Valmir Adamor da, p. 20
(31) Cf Mt 9.1-7; 20-22.
(32) Cf. HORNEY, Novo Rumos na Psicanálise, p. 50.
(33) Cf., p. 171.
(34) Cf. p. 75.
(35) Jó 7.11.
(36) Sl 31.7.
(37) Cf. NUNBERG , p. 154.
(38) Cf. p. 201.
(39) Cf. Mt 22.39.
(40) SMALL sugere como traço adicional à Terapia Breve o que chama de "compreensão interna (insight) que, no caso do pastor/pregador, tem correspondência na Escritura Sagrada: 1Coríntios 12.10; Hebreus 4.12; 5.14.
(41) Cf. MARTINEZ, Vol 2, p. 63.
(42) Jo 8.11.
(43) Cf. 2Pe 3.18; Ef 4.11-13; Jo 10.10.

Parte V
PREGAÇÃO
O literal e o analógico
Usamos com muita normalidade imagens, analogias e ilustrações na conversação diária. Com efeito, fazemos poesia quando conversamos, e, como pregadores, realizamos a pregação como uma atividade poética. Se é criação, feitura, há de ser um poema. É lembrar que na língua grega, "feitura" se diz poeimia, de onde resulta a nossa palavra "poema". Pregação é igualmente uma atividade dramática. No ato de interpretar e repassar a palavra um verdadeiro sociodrama, ou, melhor ainda, um psicodrama, quando nos vemos, e nos descobrimos nos meandros e na mensagem do texto sagrado. Ainda mais: pregação é um canal de graças. Bênçãos sem conta descem nessa virtual escada de Jacó quando os anjos sobem levando o incenso e o fervor de nossas orações, e descem trazendo a bênção, a unção e a graça do trono de Deus.

Eis-nos diante do texto. Temos necessidade de interpretá-lo. É preciso hermeneutizar porque o povo de Deus gasta considerável parte do seu tempo em cultos, Escolas Bíblicas, células ou pequenos grupos de crescimento discutindo documentos escritos que são os textos bíblicos. Também pelo fato de que estes textos constituem o cânon da Escritura da comunidade, e porque a igreja, apesar de ter o cânon fechado, serve a um Deus vivo e que dá direção. Ainda mais: a igreja necessita da interpretação dos textos bíblicos que reside na relação entre a igreja e as Escrituras. Relação que não é simples, visto que a autoridade da Escritura se faz presente, e ela informa, mas também corrige, confirma, encoraja e julga.

É verdade. A Bíblia precisa ser interpretada por, pelo menos, dois motivos:

1. É composta por livros antigos pertencentes a uma cultura diferente da nossa:

2. Tem uma mensagem válida e permanente que deve ser aplicada a situações vividas hoje.

Observe-se, no entanto, que a interpretação bíblica tem sido uma área de intenso conflito. Ou como o expressou Bultmann: "Não existe uma interpretação neutra da Bíblia". No entanto, faz-se a interpretação com base em:
• diferentes formas de interpretar;
• diferentes comunidades de intérpretes: judaísmo, protestantismo, catolicismo;
• diferentes visões: científica, literária, pastoral, teológica.

Ao lado do método histórico, também chamado de literal, tem sido largamente difundido o alegórico, que propõe que além do significado comum e óbvio de uma passagem bíblica expresso pelo primeiro, existe o significado real ou espiritual.

Esse sistema foi desenvolvido pelos gregos c. 520 a. C. para a interpretação de Homero e Hesíodo. Mais adiante, intérpretes judeus , notadamente Aristóbulo (2o século a. C.) e Filo de Alexandria (1o século d.C.). Esse método alegórico foi muito usado até a Reforma. Era marcado pela pouca preocupação com o panorama histórico. "Jerusalém", por exemplo, podia ser a Cidade Santa, mas também a Igreja. Pedro, na sua Primeira Carta, descreve o diabo como um leão que ruge. No 5o século, Agostinho interpreta a arca como figura da Igreja. Suas dimensões representavam para ele o corpo humano de Cristo, e a porta ao lado da arca são as feridas no lado de Cristo crucificado. Na Idade Média, houve uma acentuada preferência pelo Cântico dos Cânticos. Nele, Salomão foi alegorizado como Jesus Cristo, e a Sulamita como a Igreja.

Tem sido longa a história da interpretação e uso dessa interpretação na pregação cristã. Entre os judeus, três etapas marcam sua parte na história: de 300 a. C. a 200 d.C.; de 200 a 700; de 700 a 1100. A ausência do profetismo fez surgir a sinagoga e a figura do rabino, ou mestre, cuja tarefa era fundamentalmente harmonizar os textos entre si, e adaptar a escritura a toda circunstância. Deu-se a formação do corpo da Lei Oral (o Talmud) em contraposição à Lei Escrita (a Torah) já existente. Criou-se, afinal, um sistema vocálico pelo massoretas para a preservação da pronúncia do texto avocálico.

A interpretação da Igreja Apostólica foi de tipológica, passando pela simbólica até a cristológica.. Isso significa que passagens do Antigo Testamento foram tidas como figuras e tipos das ações messiânicas para o primeiro caso. Quanto ao simbolismo, prevalece o sinal e o símbolo mais que a interpretação literal ou histórica. Na terceira, o eixo de pensamento é Cristo.

Na interpretação patrística (séculos II a V), a Escritura possui um sentido espiritual oculto que deve ser descoberto.

Para os Apologetas, o Antigo Testamento é sombra do Novo. O método largamente utilizado foi o tipológico. Nesse caso, algumas palavras do Evangelho devem ser lidas como alegoria.

A Escola Alexandrina (Egito), que vigorou entre 180 e 450, conciliava a filosofia grega com a mensagem cristã, usando igualmente o método alegórico. Na verdade, os alexandrinos viam três sentidos na Bíblia:
• literal
• moral
• alegórico

Assim, diziam que as funções da Bíblia eram: narrar o que acontecera; sugerir ensinos morais e exigir a busca do sentido profundo. O próprio Orígenes pontificava que para os principiantes era o sentido corporal; para os avançados, o psíquico; para os perfeitos, o espiritual.

A Escola Antioquena (Síria, 280 a 500) buscava o sentido literal e histórico. Estudava o contexto para descobrir o sentido literal. Para isso, estudava a Bíblia palavra por palavra. Na busca do sentido típico, partiam para o antítipo através do tipo.

Os Capadócios (Ásia Menor) situaram-se no meio caminho entre os alegóricos de Alexandria, e os histórico-literais de Antioquia.

Na Idade Média (séculos VIII-XIV) foram estabelecidos os quatro sentidos da Escritura:
• Literal, que mostra os fatos reais.
• Alegórico, que ajuda a descobrir o mistério oculto
• Moral, que orienta os costumes
• Anagógico, que encaminha para as realidades transcendentais

Realmente, um longo caminho até hoje.

LITERALIDADE

É a significação conceitual imediata que o autor dá a suas palavras para expressar uma idéia. Para isso se serve das regras convencionais de gramática dentro de uma lógica de sentido comum, refletindo a situação histórica concreta em que vive o referido autor. Recebe também os nomes de Sentido Histórico e Lógico-Gramatical.

Não se procura ver um sentido cabalístico desligado do contexto histórico. No entanto, o autor bíblico pode expressar suas idéias com palavras que hão de ser tomadas em sentido próprio.

O sentido literal é o óbvio e geral, a exegese o esclarece prontamente.

ANALOGIA

Ensina Buttrick que "a pregação busca a linguagem metafórica porque Deus é uma misteriosa Presença-na-Ausência". Daí o aparente misterioso nome de Deus Eu-Sou-O-Que-Sou, que visa a dizer (o que não foi repassado pelos antigos tradutores) "Eu-Sou-O-Que-Sempre-Serei", "Eu-Serei-O-Que-Sempre-Tenho-Sido", "Eu-Continuarei-A-Ser-O-Que-Sempre-Fui", "Eu-Não-Mudo", ou, ainda, "Eu-Sou-O-Eterno".

De fato, algumas vezes, onde não há uma definição formal, torna-se claro o significado pelo uso de alguma expressão análoga ou pela antítese, em sentido figurado ou metafórico. Nesse caso, há largo uso de sinédoques, metonímias, metáforas, ênfases, hipérboles e elipses. Entenda-se alegoria como uma metáfora continuada.

De modo amplo, analogia é qualquer semelhança que se estabelece por um confronto. Pode haver algum grau de imperfeição, evidentemente., mas deve ficar sempre bem patente que a analogia fixa o significado da forma de uma palavra pela forma semelhante de outra conhecida. A palavra já determina o conceito, ana-ton-auton-logon, ou seja, "segundo o mesmo logos". Isso quer dizer que mantendo diversidade de duas coisas, é dado lugar a certa semelhança, embora pequena, que baste para manter a comparação. As essências são diversas, mas a relação é a mesma. E porque a "analogia é uma estrutura fundamental em todos os campos do ser e do saber, também se faz presente na interpretação da palavra de Deus.

Aristóteles entendia que a denominação por analogia era o tipo mais importante de metáfora ou de sentido translato. A própria palavra "metáfora" significa "transporte"; transporte de conceitos, de idéias, de significados. Dizer que alguém "entrou pelo cano" é um metáfora, assim como algumas metáforas perderam esse sentido, como, por exemplo, quando alguém na Idade Média da língua portuguesa era perseguido por cães ferozes, e lembrando que a palavra "cão" no português antigo se dizia "perro", era uma pessoa "aperreada", alguém que estava em sérias dificuldades de ser destroçado por aqueles animais intratáveis. Diz-se que há uma "analogia", uma "correspondência". A linguagem já foi definida como uma dicionário de metáforas extintas. Entendendo assim, a Bíblia deve ser definida "como um complexo de metáforas válidas: metáforas e parábolas, que aludem às realidades divina e humana".

Na Bíblia, há uma relação entre "loucura" e "pecado", portanto, "sabedoria" terá a ver com "retidão" e "piedade". A Bíblia usa fartamente a linguagem analógica, a linguagem de correspondência. Dizemos com a Bíblia que "o Senhor sobre ti levante o rosto..." "Deus é luz" e "se andarmos na luz, como ele está na luz..." , e que "o Verbo se fez carne, e habitou entre nós..." E tudo isso é linguagem da analogia.

Símbolos Sagrados

Sem dúvida, o simbolismo bíblico é um dos assuntos mais difíceis, talvez, ou mesmo, delicado para ser tratado pelo intérprete da Bíblia Sagrada. Do Gênesis ao Apocalipse, símbolos são larga e fartamente utilizados, e caíam na sensibilidade dos ouvintes ou leitores porque uma lição espiritual e moral se encontrava implícita. A formação do Adam em suas modalidades de ish e ishah; Torre de Babel, a b'rith milah, a Escada de Jacó, a Sarça Ardente, a Cruz do Calvário, as línguas-como-de-fogo do Pentecostes, todo o variadíssimo desfile de animais fabulosos, números, cores, cidades, nuvens, lagos, praças ensinam que há pertinência para uma tentativa de extrair das metáforas, alegorias e hipérboles lições eternas plenas de concretude para a prática de vida do cristão das vésperas do século 21, e, particularmente, do obreiro e da obreira na Causa de Jesus Cristo.

Verdades espirituais e oráculos proféticos foram transmitidos em símbolos que merecidamente podem receber o nome de sagrados, e, assim, a providência e a graça de Deus foram repassadas até hoje. Por causa deste caráter enigmático, há necessidade de intérpretes que tenham um discernimento sadio e apropriado, para que aquilo que se apresenta confuso, ilógico e fora de propósito, tome forma, razão e objetivo.

O método apropriado e lógico de investigar os princípios do Simbolismo consiste fazer uma comparação entre os variados símbolos bíblicos, especialmente aqueles que se fazem acompanhar de uma solução autorizada. É possível que haja quem negue a realidade de certos relatos ou de detalhes nesses relatos. Há quem negue a espada flamejante "ao oriente do jardim do Éden", por não entender o simbolismo do fogo, sinal da presença, da direção, da glória ou da justiça de Deus.

O sangue é um elemento freqüentemente lembrado por seu altíssimo simbolismo espiritual. Da Antiga à Nova Aliança, o sangue se faz presente; presente e marcante.

O Sangue como Símbolo

Sangue em hebraico é dam. É palavra tão importante que aparece 360 vezes no Antigo Testamento. O livro de Levítico (Vaiykra) tem a maior freqüência com 88 registros, sendo seguido por Ezequiel com 55 menções. A grosso modo, é possível dividir a menção do sangue em duas partes:
.O derramamento de sangue como resultado de violência resultando geralmente em morte, como no caso de guerra ou assassinato.
.O derramamento de sangue, sempre resultando em morte, como ato litúrgico: sacrifício ou consagração a Deus.

O sangue simboliza a vida: o sangue da vítima é a vida que é passada através da morte. Por essa razão, quando se afirma que alguém é "salvo pelo sangue de Cristo" está, na verdade, dizendo que somos salvos pela vida de Cristo, e deste modo, participamos de Sua vida.

Outra interpretação enfatiza que o sangue no Antigo Testamento denota não a vida, mas a morte, ou seja, a vida que é oferecida na morte. Que seja esclarecido, no entanto, que não há nos conceitos veterotestamentários qualquer preocupação com morbidez das divindades que regiam o mundo do além (como imaginavam os vizinhos pagãos do povo de Israel).

Examinar, portanto, símbolos é buscar sentido, as idéias, o que queremos expressar. E a expressão requer signos (palavras, vocábulos, gestual). Lembremos, entretanto, que estamos tratando de um mundo e de uma mente que diferem substancialmente da nossa: somos cidadãos ocidentais, latinos, beirando o século 21, de mentalidade helênica, com capacidade de pensar em abstrações; os livros que compõem o Antigo Testamento refletem um modo de vida oriental, semita, de 3 mil anos passados, com imensa tendência de pensar em termos concretos. Portanto, o figurativo, o plástico, o gráfico seria o signo para dar sentido às expressões que não poderiam ser traduzidas por vocábulos, aquilo que Saussure chamou de significante, de ordem material e que se situa no plano da expressão.

Alegoria

É um recurso de linguagem que consiste na representação de uma idéia abstrata por uma figura dotada de atributos que sugerem aquela mesma abstração. Ensina Fountain que a alegoria é a extensão da metáfora, quando metáfora, por sua vez, indica semelhança entre duas coisas diferentes, declarando que uma é a outra.
A alegoria é uma forma de interpretação. Segundo Hansen, "Decifra significações tidas como verdades sagradas, ocultas na natureza sob a aparência das coisas e também na linguagem figurada dos textos das Escrituras, que revelam um 'sentido espiritual'".

De acordo com a alegoria hermenêutica, existe uma prosa do mundo a ser pesquisada no mundo da prosa bíblica. E adianta o mencionado Hansen que "se as coisas podem ser consideradas signos na ordem da natureza, é porque são signos na ordem da revelação... os da Escritura designam coisas e estas, por sua vez, designam verdades morais".

É precisamente uma verdade moral e espiritual que se procura abordar no exame de material extraído do livro do Levítico. O texto escolhido vem do capítulo 8 que trata da consagração de Arão e seus filhos. Remetemos o leitor ao estudo Consagrado para Cuidar, amostra do que foi trabalhado em um trecho da palavra de Deus, e já publicado na página Bíblia World Net.

FONTES PRIMÁRIAS

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