TEOLOGIA - PARTE 05

Cristologia: Base da Teologia

Parte I
Cristologia é a doutrina da Igreja acerca da pessoa de Jesus como o Cristo. O autor do livro aqui apontado afirma que a Cristologia sempre ocupa lugar central num sistema dogmático que reivindica ser cristão. Toda tentativa de remover a Cristologia de seu lugar central ameaça o cerne da fé cristã. Quem quer que olhe para Jesus, o Cristo, a partir da perspectiva do Novo Testamento, estará inevitavelmente situado dentro de um quadro de referência teocêntrico. Todo o ministério de Jesus era radicalmente teocêntrico.

Cristo é central tanto na ordem da criação quanto no âmbito da redenção. A fé cristã vê no testemunho apostólico de Jesus, o Cristo, o critério final da verdade acerca da natureza e identidade de Deus. Sendo assim, a própria pessoa de Jesus é teocêntrica em si mesma.
O tipo de cristocentricidade que acompanhou a teologia da “morte de Deus” mostrou ser errôneo. Mas, na verdade, surge daqui uma pergunta importantíssima: sobre que Deus estamos falando na dogmática cristã? A resposta dada no livro Dogmática Cristã é a seguinte: esse Deus não é a unidade simples, solitária e auto-suficiente do monoteísmo radical. O Deus do cristianismo clássico é, em contraste, aquele Um que, de modo antecedente, diferencia a divindade como Pai, Filho e Espírito Santo e é revelado como tal na economia da história e da salvação.
Originalmente, a doutrina da Trindade surgiu como produto da reflexão teológica sobre a revelação de Deus na pessoa de Jesus, o Cristo. Assim sendo, esta doutrina veio como necessidade de se explicar a realidade com a qual nos deparamos quando Deus, na história, foi Se revelando. Mas, apesar desta doutrina trinitária, o cristianismo é universalmente classificado como uma forma monoteísta de crença. E isto, ao meu ver, é com razão!

NATUREZA E MÉTODO DA CRISTOLOGIA

Abriu-se este assunto no livro Dogmática Cristã, primeiramente explicando que Cristologia é a reflexão da Igreja sobre a asserção básica de que Jesus é o Cristo de Deus. Porém, como chegou-se a esta conclusão? Para responder a esta pergunta, o autor do livro aqui mencionado, parte da grande pergunta: “o que é cristologia?” Ou melhor: o que realmente significa cristologia?
Iniciando o circuito da resposta, nos é dito que cristologia é a interpretação de Jesus de Nazaré como o Cristo de Deus a partir do ponto de vista da fé da Igreja cristã. “Cristo” é um título, e não o segundo nome de Jesus. O título exprime a identidade de Jesus de Nazaré, de acordo com o testemunho apostólico e a tradição católica.
A experiência de fé em Jesus como o Cristo vivo significa que a cristologia é mais do que reflexão crítica sobre quem era Jesus em sua experiência terrena. Foge dos domínios da ciência. Jesus Cristo pode ser o objeto da fé porque não é meramente Jesus de Nazaré, uma figura histórica que viveu e morreu certa vez, mas também o Cristo ressurreto e vivo que está presentemente corporificado na comunidade dos crentes. Além de ser Ele o filho de José, é primordialmente o Filho de Deus.
Sem a confissão de fé em Jesus como o Cristo, a cristologia poderia ser reduzida a jesulogia. Assim como existem os kardecistas, os budistas, os confucionitas, os marcionitas, etc. E além de tudo, fé não é um mero desempenho humano, uma obra do intelecto, da vontade ou das emoções. Ninguém pode chamar Jesus de o Cristo puramente como resultado de pesquisa científica histórica. Desta forma, o autor do livro conclui que uma comissão de historiadores cientificamente treinados, formada para encontrar fatos, não poderia provar que Jesus é o Cristo.

A afirmação da comtemporaneidade de Cristo significa que o Espírito Santo atualiza a presença de Cristo através da fé, o lado recebedor de um relacionamento pessoal real. O Espírito Santo é o poder para juntar agora a fé pessoal e Jesus que é o Cristo vivo. É o Espírito que tira o Jesus histórico da distância da história passada e o situa, como o Cristo vivo, no contexto existencial do momento presente. Contudo, o Espírito Santo não atua de maneira direta, não mediada. O Espírito é ouvido em, com e sob a pregação da Igreja. Não se põe o Espírito Santo de Deus diante de um microscópio, ou numa mesa de pedra fria para dissecá-lo, ou ainda diante de uma banca de teólogos, para que seja pesquisado e catalogada a sua estrutura. Deus não se deixa escarnecer.

O retrato de Jesus, o Cristo, que anima a pregação da igreja não é moldado por tais construções arbitrárias da imaginação, mas pelos credos e confissões cristológicos da igreja. E isto, porque o dogma cristológico aponta para além da igreja, assegurando que seu Senhor é o Cristo vivo corporificado em Jesus de Nazaré, e não um mito a-histórico, um princípio metafísico, uma personalidade religiosa ou um virtuoso moral.
O retrato autêntico do Cristo vivo é dado na Bíblia; tudo o mais é, na melhor das hipóteses, alguma espécie de reprodução. Assim, a igreja sempre terá necessidade de testar suas interpretações cristológicas referindo-se ao retrato bíblico de Jesus, o Cristo. Este retrato, porém, é como um único instantâneo. É, antes, como uma montagem de retratos esboçados por diversos artistas, de vários ângulos e em épocas e lugares diferentes. Não se muda o quadro pintado por um grande artista, pois este já deu seu último retoque e o assinou.

O texto o qual aqui está sendo apontado, comenta ainda no assunto cristológico, sobre história, dogmática e fé. Ele afirma que o historiador, o especialista em dogmática e o crente têm suas maneiras próprias de abordar o Jesus Histórico. E assim, ao que parece, nos é mostrado que os três, unidos, podem ser de grande validade para a busca de um melhor conhecimento sobre a pessoa de Jesus Cristo. Como nota explicativa, o autor diz que, com “Jesus histórico”, ele designa Jesus de Nazaré na medida em que pode ser feito objeto de pesquisa histórico-crítica. Mas, logo ele nos lembra que a fé em Jesus como o Cristo não se baseia nos resultados de tal pesquisa. O Jesus histórico não pode produzir a fé, mas a fé, ao meu ver, pode ajudar na pesquisa histórica de Jesus. É tarefa da dogmática servir de “advogado de defesa” para os crentes frente à heterônoma reivindicação da ciência no sentido de fornecer os conteúdos ou legitimar o fundamento da fé.

No livro, o autor nos aconselha que é importante guardar uma distinção entre dogmática e fé. O que é relevante para as construções construtivas do teólogo não é necessariamente essencial para a existência ou mesmo para o bem estar da fé. A fé pode existir muito bem sem estar a par da mais recente pesquisa, ao passo que a dogmática não pode ignorar o contínuo processo e os resultados da pesquisa histórico-crítica. A fé vive do testemunho a respeito de Cristo na pregação da igreja e na mensagem das Escrituras. A dogmática é uma reflexão crítica que continua na igreja em prol de uma compreensão mais madura da fé, de seus fundamentos e conteúdos.
Um dos pontos em debate na teologia contemporânea diz respeito ao ponto de partida correto da cristologia. Tradicionalmente, a cristologia era feita “a partir de cima”. a cristologia procedia de maneira dedutiva, movendo-se da divindade eterna de Cristo lá em cima para sua natureza humana cá em embaixo.
Quando o dogma cristológico foi posto na defensiva por seus críticos modernos, fez-se a tentativa de salvar seu significado mediante uma concentração no Cristo querigmático. Esta é uma maneira contemporânea de fazer cristologia a partir de cima. contudo, não podemos dar-nos por satisfeitos em assumir o Cristo querigmático como ponto de partida da construção dogmática.

Existe hoje em dia entre os teólogos um virtual consenso de que a cristologia deve partir de baixo. Neste ponto reside o mais profundo significado da nova busca do Jesus histórico. Mas, como sancionado em Dogmática Cristã, nem o dogma nem o querigma são, de si mesmos, suficientes para fornecer a base e o conteúdo da fé. Diz-se que há boas razões para exigir que a cristologia comece de baixo! Fato este devido a que a cristologia se baseia no Cristo testemunhado pela fé apostólica, e esse Cristo não é outro senão Jesus de Nazaré.

Porém, o perigo de começar a cristologia de baixo é que ela pode terminar numa “cristologia baixa” sem utilidade para a fé cristã. “Cristologia baixa”, segundo o autor, é definida como uma interpretação de Jesus que o trata como mero ser humano. Ela converte a clássica categoria cristológica do “verdadeiramente humano” (vere homo) no “meramente humano”. Se assim for, como então poderemos fazer uma cristologia confiável? Como conseguiremos usufruir de um conhecimento sobre Cristo que nos ajude na fé e no conhecimento, sem o temor de estarmos criando um cristo de laboratório?
Uma boa resposta, dada pelo livro Dogmática Cristã é que a reflexão cristológica é um processo hermenêutico em que os movimentos “a partir de cima” e “a partir de baixo” não são mutuamente excludentes, e sim dialeticamente relacionados numa compreensão abrangente da identidade e do significado da pessoa de Jesus, o Cristo. Esse processo de interpretação pode ser chamado de “círculo” ou “arco” hermenêutico.
Importante também é saber que, segundo o autor do livro, o pesquisador do N.T. precisa achar nos ensinamentos de Jesus todas as sementes do desenvolvimento cristológico posterior. Não atingir esse objetivo significaria que a cristologia perde suas origens no Jesus real da história.

Nesta busca sobre as sementes do desenvolvimento cristológico, encontra-se alguns grupos distintos de pesquisadores. Primeiro: alguns eruditos localizam a raiz da cristologia na automanifestação do próprio Jesus. Segundo: outro grupo de eruditos localiza o dado central da cristologia no acontecimento histórico da ressurreição de Jesus. Em terceiro lugar, há os que não fundamentam a fé cristológica nem no Jesus terreno nem em sua ressurreição, mas tão somente no querigma da igreja primitiva.
Para a dogmática, não há necessidade de jogar uma dessas linhas de interpretação contra as outras. O Jesus histórico, o Cristo querigmático e o dogma cristológico – estes três constituem a matéria da qual a cristologia é feita.

O JESUS HISTÓRICO E O REINO DE DEUS

Qual era a expectativa de Jesus acerca do reino de Deus? Na verdade, o “reino de Deus” era o tema central de toda a mensagem de Jesus! Reinado ou reino de Deus, porém, era mais do que um conceito presente na mente de Jesus e expresso em discurso. Era a força impulsora de toda a sua carreira. Tudo o que Jesus realizava em palavra e ação era descrito como “sinal” do reinado de Deus em irrupção.

Mas o consenso dos eruditos se desfaz no momento em que começam a descrever o significado do reino de Deus. Na teologia protestante do século XIX, o reino de Deus era interpretado predominantemente em termos morais, quer pessoais, quer sociais. Dois nomes que surgem apoiando esta interpretação foram os de Friedrich Schleiermacher e Albrecht Ritschl.

O reino de Deus não virá como o resultado cumulativo de boas obras humanas e do progresso histórico. Ele é, antes, um milagre do poder de Deus irrompendo de além do âmbito da potencialidade humana. A pesquisa de Weiss e Schweitzer mostrou que o reino de Deus esperado por Jesus em futuro próximo se assemelhava mais a um fim apocalíptico para o mundo do que a um paraíso sobre a terra forjado gradualmente por meios humanos. O evento escatológico vem como uma lâmina afiada penetrando o momento presente.

Não faz muito tempo, pensava-se que nosso principal problema na cristologia era que não sabemos virtualmente nada a respeito do Jesus histórico. Agora, o problema é, antes, que uma quantidade maciça de pesquisa focalizou a mensagem de Jesus acerca do reino vindouro, deixando-nos ainda inseguros quanto a como interpretá-lo. O problema deslocou-se da história para a hermenêutica.

Como podemos seguir Jesus em conceber a basileia (reino, reinado) de Deus como uma realidade de outro mundo, de magnitude cósmica, prestes a irromper a qualquer hora? De acordo com Harnack, os ensinamentos éticos de Jesus ainda são válidos, ao passo que suas idéias escatológicas são estranhas aos tempos modernos.

Mas, o que Jesus realmente queria dizer com “reino de Deus”? quando falava do reino, Jesus não tinha em mente um âmbito no espaço e no tempo. O termo não se refere a uma região espacial, e sim ao reinado dinâmico de Deus. Talvez devêssemos dizer simplesmente que a vinda do reino significa a vinda de Deus. Esperar o reino é estar aberto para a vinda de Deus, nada menos do que isto. Mas isto tem significado universal, pois quando Deus vem em poder o mundo precisa mudar. As coisas não podem permanecer como estão. Deus não é um soberano ocioso sentado no trono. Deus agirá quando vier, tanto em obras de juízo quanto em obras de graça. O reino não é uma condição deste mundo que possa ser realizada por meios humanos. Não é um predicado deste mundo.

Uma grande inversão na ordem das coisas está para acontecer. De acordo com Lucas 6:20s., os pobres ficarão felizes, os famintos serão saciados e os que choram rirão. Só a vinda do reino de Deus pode gerar o poder de produzir tal miraculosa reviravolta no mundo humano. No entanto, o propósito de tais eventos-sinal é apontar para a vinda de Deus e do domínio de Deus, e não focalizar uma nova ordem social como bem último em si mesma.

Na mensagem de Jesus, o reino de Deus nunca deixa de ser mistério. Ele nunca ofereceu uma definição ou uma descrição direta. A ética de Jesus está carregada de pressuposições escatológicas; ela faz sentido como uma moralidade que prefigura a nova realidade do reino de Deus que se aproxima. Quando posta em operação num contexto terreno, a ética de Jesus visa funcionar como sinal do reino que vem.
Seu propósito não era transmitir informação sobre o reino, como outros visionários apocalípticos tinham feito com vívidos detalhes. Era, antes, convencer seus ouvintes de que estava mais do que na hora de se aprontar para a vinda de Deus.

Um dos mais acalorados debates da moderna pesquisa do N.T. tem girado em torno da pergunta se Jesus esperava a chegada do reino no futuro muito próximo ou se já estava sendo realizado no presente. A maioria dos especialistas concorda, todavia, que, decididamente, a maior parte das passagens que podem ser atribuídas ao Jesus histórico retrata o reino de Deus como uma grandeza que chegou tão perto que tem um impacto presente.

Jesus olhava para a frente, para a salvação que o reino vindouro traria; a igreja primitiva olhava para trás, para ele como o Cristo que já tinha tornado o reino presente. Não obstante essa orientação para o passado, a igreja primitiva também se voltava para a frente, esperando uma consumação futura.

As curas milagrosas e os exorcismos de demônios por ele praticados eram sinais adiantados do reino que vem. Obviamente, o reino de Deus ainda não tinha sido estabelecido aqui e agora. Agora há pessoas pobres e famintas. Quando o reino vier, sua miséria será removida. Agora elas sofrem; em breve exultarão.
Quem ensina que o reino já foi realizado no tempo de Jesus transforma numa farsa o amor de Jesus pelos pobres, oprimidos, famintos, enlutados, doentes, sobrecarregados, alienados, etc. Jesus prometeu a todas essas pessoas que o reino viria em breve para mudar sua sina.

Daqui surge uma outra questão, Jesus não era um quietista, oferecendo consolo barato às pessoas cuja situação deplorava, mas em relação à qual nada fazia. Há cristãos que querem tomar a cruz e seguir Jesus, porém não têm esperança de alterar as condições que criam pobreza e opressão. Recomendando sofrimento paciente neste mundo, prometem uma recompensa celestial no outro mundo. Mas, Jesus, pelo contrário, fez o que pode para trazer o poder do domínio de Deus aqui para a terra.

A gênese da cristologia no Novo Testamento, aparece-nos também, como um assunto básico nesta matéria. O precursor de Jesus, João Batista, também pregou a mensagem do reino vindouro, anunciando juízo impendente e tempo de arrependimento. Jesus, porém, era diferente, ele não era o último profeta do reino por vir; era o agente de sua chegada em início e em poder. As realidades do reino já estavam começando a agitar-se dentro da história por meio do impacto do ministério de Jesus.
A raiz da cristologia no ministério de Jesus não está localizada num título honorífico determinado que ele tenha reivindicado para si mesmo. O importante é que Jesus não era apenas o proclamador, mas também o portador do reino no ponto de sua erupção. Assim, a gênese da cristologia reside no fato de que uma pessoa se relaciona com o reino vindouro através de sua decisão a favor de Jesus ou contra ele, como a ocasião da irrupção do reino no tempo.

Se Jesus era o Messias, o Filho do Homem, o Filho de Deus ou o Senhor não depende de acharmos estes termos como autodesignações nos lábios de Jesus, mas da questão se a comunidade primitiva tinha boas razões para aplicar esses títulos a ele como confissões de fé.

Muitas escolas da teologia não procuram o cumprimento da expectativa de Jesus no duplo final de sua vida, na cruz e na ressurreição. Um tipo de interpretação sustenta que o reino de Deus ainda não apareceu; ele ainda é futuro e de outro mundo, não deste. Uma Segunda posição vê o reino como uma chamada para a decisão aqui e agora, no confronto com a mensagem de Jesus; ele já está presente em cada momento de decisão existencial. Uma terceira concepção vê o reino de Deus como algo que está no futuro histórico e que vem por meio de transformações sociais e políticas, ou gradual e progressivamente ou por meio da práxis revolucionária.

Na crucificação e ressurreição de Jesus a igreja primitiva encontrou a prova de que Jesus era o Messias esperado e, além disso, de que ele era o rei do reino que pregara, coroado com uma coroa de espinhos e entronizado numa cruz, tendo então recebido uma vitória sobre os poderes do mal em sua ressurreição dos mortos. Aqui o Cristo da fé e o Jesus da história provam ser um único e mesmo Senhor Jesus Cristo.
Os primeiros intérpretes esquadrinharam as Escrituras hebraicas, o A.T., e usaram seus símbolos e estórias para apontar para a frente, para os acontecimentos “destes últimos dias” (Hb. 1:2) em que as promessas de Javé estavam sendo cumpridas no Filho.

O interesse da igreja era concentrar-se na pessoa de Jesus como o Cristo de Deus, pois nele ela tinha experimentado salvação escatológica. A vinda do reino na cruz mantém o reino oculto na história e só pode ser vista com os olhos da fé. Se deixamos a fé de lado e olhamos para a história com olhos ordinários, não encontramos provas convincentes de que o reino de Deus já veio. Assim como o próprio Jesus disse: “O meu reino não é deste mundo”.

A fé cristã primitiva manteve a tensão entre duas verdade. De acordo com a verdade da fé, o reino de Deus já chegou em Cristo. Isto se encontra em tensão com a verdade sobre a história de que o reino ainda não veio. A realidade plena do reino de Deus foi, assim, dividida num já e num ainda não.

A CRISTOLOGIA CLÁSSICA E A CRÍTICA SUBSEQÜENTE

Se tem uma questão onde a crítica gosta de “remexer”, é a da identificação de Jesus com Deus. Como é possível, passar do reino de Deus, o dado central da mensagem de Jesus, para o dogma da Trindade, que identifica a pessoa de Jesus Cristo com Deus?
A igreja primitiva cria que a vinda do reino de Deus ocorreu na crucificação e ressurreição de Jesus de Nazaré. Sem a ressurreição não poderia ter surgido fé na divindade de Jesus. Desta maneira, a fé não gerou a ressurreição, como disse Bultmann, mas a ressurreição sim, gerou a fé.

A vinda de Deus e a vinda de Jesus estão, assim, unificadas na experiência da salvação escatológica. A lógica da salvação exigia a identificação de Jesus com Deus. A experiência da cruz e ressurreição de Jesus como o evento definitivo da salvação gerou a fé, centrada na pessoa de Jesus Cristo, que tradicionalmente pertencia só a Deus, caso se quisesse evitar a idolatria. Se a salvação realmente tinha chegado através da pessoa de Jesus, ele também deve ter sido Deus, porque Deus, e tão somente ele, é o poder da salvação.

Se, para Jesus, o reino estava próximo, para a igreja ele já estava aqui – em Cristo. E os participantes do reino de Deus em Cristo, tornam-se cristãos, experimentando já sinais que pressagiam o estabelecimento absoluto deste reino.

Na cruz de Cristo, Deus lidou vitoriosamente com o pecado do mundo. Em sua ressurreição, foi derrotada a morte e criada nova vida que permanece. Por assim dizer, então, ser participante do reino de Deus, significa ser vitorioso contra o pecado e a morte.

Com isto, ou seja, com tudo o que já foi dito, podemos crer que a identificação de Jesus com Deus não foi, a princípio, resultado de um desenvolvimento dogmático. Mas foi, antes de tudo, uma certeza crescente, que se desenvolvia a cada revelação de Deus na pessoa de seu Filho Jesus Cristo.

A confissão de que “Jesus é Senhor” (Rm. 10:9; I Co. 12:3; Fp. 2:11) não foi produto de uma posterior helenização do cristianismo. Essa fórmula apareceu já no culto da comunidade palestina, colocando Jesus no mesmo nível de Deus. Kyrios era a tradução grega do termo adonai, o nome predileto para designar Deus entre os judeus. Sua aplicação a Jesus no contexto do culto não podia ser mal-entendida por pessoas familiarizadas com as regras da reverência devida ao nome de Deus num ambiente hebraico.

Com base na fé em Jesus e no culto a ele prestado, a igreja primitiva não só reconheceu Jesus como Senhor, mas também transferiu a ele todos os altos títulos e atributos divinos. E isto foi como a primeira igreja viu a identificação de Jesus com Deus.
Porém, como era de se esperar, surgiram algumas heresias cristológicas, as quais, algumas foram comentadas no livro Dogmática Cristã. A identificação de Jesus com Deus não aconteceu sem grave perigo para a fé cristã. O perigo existente na acentuação da divindade de Cristo era o de que a fé poderia perder de vista a humanidade real do homem Jesus. Essa visão unilateral produziu a heresia conhecida como docetismo, a perene heresia da “ala direita” da cristologia. Esta heresia é um ensino cristológico, difundido sobretudo em círculos gnósticos, que dizia que Jesus Cristo só parecia ter um corpo humano e só pareceu sofrer e morrer. “Docetismo” vem do termo grego dokein, que significa “parecer”. Marcião, o herege do século II, foi o teólogo mais proeminente a popularizar uma cristologia docética. A influência gnóstica considerava a matéria como má e a carne como irreal. Por isso, quando Deus se fez homem e o Verbo se fez carne na pessoa de Jesus Cristo, isso só aconteceu aparentemente, segundo os gnósticos. Nesta concepção, contudo, o Filho de Deus não podia tornar-se realmente humano.
No polo oposto estava o ebionitismo, a perene heresia da “ala esquerda” da cristologia. É um ensinamento cristológico muito difundido no século II, que apresenta Jesus como mero homem, negando completamente sua divindade. Este termo provém do vocábulo hebraico ebionim, que significa “pobres”. Os ebionitas eram originários principalmente de círculos judeus. Para os ebionitas, Jesus era certamente o Messias, o Cristo, mas era só um homem. Ele não podia ser Deus. Eles também negavam o nascimento virginal de Jesus.

Esses extremos constituíam os dois lados da mesma moeda cristológica: rejeição de uma encarnação real de Deus no homem Jesus.

Os docetas estavam presos a um conceito helenístico de Deus como um absoluto atemporal que não podia realmente mudar. Porque Deus é Deus, ele é imutável. Assim, não podia haver uma encarnação real, nenhuma mudança real em sentido ontológico, mas somente na aparência. O Deus da metafísica grega determinava completamente a cristologia docética.

Os ebionitas estavam comprometidos com um conceito judaico de Deus como totalmente outro em termos de transcendência e santidade. Deus é Deus e a humanidade é a humanidade; o infinito não é capaz de entrar no finito. A separação ontológica torna uma encarnação real de Deus impensável, até blasfêmia.

A linha docética à direita pode ser reconhecida no monarquianismo modalista, uma doutrina do século III proposta por Sabélio, bispo de Roma. Ele ensinou que o Deus uno (a monarquia divina) apareceu como o Pai no A.T., como o Filho na vida de Jesus e, finalmente, como o Espírito na igreja. Diante deste assunto, é importante também frisar como o autor de livro DC, que costuma-se distinguir entre a “Trindade econômica” e a “Trindade imanente”. A Trindade imanente significa que os nomes do Pai, do Filho e do Espírito Santo se referem a distinções reais dentro de Deus. Em consequência, também falamos da Trindade essencial ou ontológica. A Trindade econômica significa que as distinções surgem das três maneiras em que o Deus uno se manifestou na história da revelação (a economia divina). Desde que Friedrich Schleiermacher reabriu o debate sobre Sabélio, eruditos têm questionado se Sabélio realmente ensinou que Pai, Filho e Espírito Santo referem-se meramente a manifestações temporárias e sucessivas de Deus em relação ao mundo. Mas, o que importa lembrar é que, esse novo tipo de docetismo também tornava impossível uma encarnação real.

Também no século III houve uma continuação da linha ebionita à esquerda: o monarquianismo dinamista, representado por Paulo de Samósata, bispo de Antioquia. Adocianismo é a designação mais comum para esse tipo de cristologia. Cristo era realmente divino; estava repleto do dinamismo do Espírito e, de modo único, foi adotado pelo Pai como seu único Filho amado. Isso não era uma aparição de Deus a partir de cima, como no monarquianismo modalista. Pelo contrário: no modelo adocianista, Jesus Cristo se tornou divino a partir de baixo, pela inabitação do Espírito e por seu crescimento em santidade própria de Deus. A explicação aqui é que o humano ascendeu, através de desenvolvimento espiritual e moral, ao nível da semelhança com Deus.

Na época em que Constantino se tornou pontifex maximus (321 d.C.), o cristianismo foi ameaçado por um sério ataque da esquerda. O ataque foi dirigido por Ário, que estava influenciado pelos teólogos adocianistas Luciano de Antioquia e Paulo de Samósata. O arianismo, entretanto, era uma negação da divindade de Cristo mais complexa do que aquela que encontramos no ebionismo ou no adocianismo. Para Ário, Cristo era mais do que um ser humano e mais do que o Filho adotivo de Deus. Ele era o Logos, o Filho de Deus, que existia antes que Deus Pai criou o mundo. Porém, ele não era Deus, não compartilhava da essência divina. O Logos não era eterno. No início havia unicamente Deus, o Logos foi criado para assistir Deus na criação do mundo. O Logos podia mudar, entrar na história, unir-se com carne humana na pessoa de Jesus, até sofrer e morrer. Assim, a encarnação do Logos foi inferior a uma encarnação real da verdadeira essência de Deus.

Atanásio, o impetuoso oponente de Ário, sustentava que o arianismo era heresia porque questionava toda a realidade da salvação. Se o Logos, como redentor, é ontologicamente inferior a Deus, como uma criatura o é em relação ao Criador, não pode haver salvação real, pois tal sistema coloca o ônus da salvação sobre uma criatura. Atanásio perguntava como um ser inferior a Deus poderia elevar os seres humanos até o nível de Deus. Como poderia o mediador entre Deus e a humanidade ser menos do que plenamente divino e plenamente humano?
No Concílio de Nicéia, em 325 d.C., os pais inseriram uma antiga palavra de origem gnóstica, homoousios (do grego homos, “igual, idêntico”, e ousia, “ser”), para expor a deficiência da cristologia de Ário. O Credo Niceno tornou-se a afirmação fundamental da igreja na interpretação da encarnação.

A partir de sua conexão trinitária, a cristologia passou a estabelecer a relação existente entre o Cristo divino e o Jesus humano. O apolinarismo, que recebeu seu nome de Apolinário, bispo de Laodicéia, começou afirmando a cristologia alta do Credo Niceno. Ele era completamente ortodoxo na doutrina da Trindade. Ele sustentava que o Filho é distintamente outro do que o Pai (contra o sabelianismo), porém compartilha eternamente da substância una do Pai (contra o arianismo). Todavia, ter uma posição correta a respeito da Trindade pelo critério da ortodoxia não determinava como um teólogo poderia interpretar a encarnação. Apolinário moveu-se na direção do docetismo ao ensinar que a humanidade assumida por Cristo na encarnação era incompleta. Por certo o Logos em Cristo era verdadeiramente Deus; entretanto, na encarnação ele não se tornou inteiramente humano. Apolinário cria que uma união genuína só é possível quando o Logos, como princípio ativo de autoconsciência e autodeterminação, substitui o espírito humano. A união que havia em Cristo era uma união do Logos perfeito com uma natureza humana incompleta.

O Concílio de Constantinopla, em 381 d.C., afirmou o caráter completo da natureza humana de Cristo. Estava em funcionamento a mesma lógica que exigia o homoousios com o Pai, requerendo um homoousios comparável com a humanidade. Era a lógica da salvação. O princípio operativo era este: o que não foi assumido não pode ser salvo. O primeiro concílio eclesiástico a se decidir contra o apolinarismo declarou: “Se, pois, o homem todo estava perdido, era necessário que aquilo que estava perdido fosse salvo.” (Concílio de Roma, 374-376 d.C.).

Para Nestório, um dos líderes da escola de Antioquia, Jesus Cristo era tanto plenamente Deus quanto plenamente homem, mas as naturezas divina e humana devem manter-se distintas e não reduzidas na encarnação. Deve haver dois de tudo – duas naturezas, duas substâncias, duas vontades, duas séries de atributos – e, por consequência, também duas pessoas (prosopa).

Essa doutrina de duas pessoas juntadas em Cristo tornou-se a marca definidora do nestorianismo como heresia. O problema essencial do nestorianismo é simples: ele não podia afirmar uma encarnação real. Os nestorianos propunham uma união de duas pessoas vivendo lado a lado numa comunhão de amor e liberdade moral. Os alexandrinos insistiam numa unidade ontológica mais profunda de Deus com o homem Jesus. Para Eutíquio, patriarca de Constantinopla, e Dióscoro, bispo de Alexandria, a coisa mais significativa em Cristo era sua natureza divina, não sua humanidade. Para esta doutrina, a partir do momento da encarnação, restava apenas uma natureza. Por conseguinte, essa heresia é apropriadamente chamada de monofisismo, que significa “uma natureza”, e, por vezes também de eutiquianismo, segundo o nome de um de seus proponentes. Os monofisitas sacrificavam a integridade da humanidade de Jesus em benefício de sua divindade.

No século V a igreja se debateu no dilema de optar entre um Cristo divino que não era realmente humano (monofisismo) e um Jesus humano que não era realmente uno com Deus (nestorianismo). A confissão ortodoxa que emergia seria, daí em diante, que Jesus Cristo era plenamente Deus e plenamente humano. Como, porém, estão os dois relacionados permaneceu, para eles, como um mistério. Por fim, em Calcedônia (451 d.C.), os pais do concílio formularam o dogma cristológico das duas naturezas. Assim, a igreja optou por um meio termo entre as alternativas de Nestório e de Eutíquio.
O veredito final pronunciado pelo credo de Calcedônia reza (fragmentado): “(...) Um só e o mesmo Cristo, Filho, Senhor, Unigênito, tornado conhecido em duas naturezas (que existem) sem confusão, sem mutação, sem divisão, sem separação; não sendo a diferença das naturezas de modo algum removida em razão da união, mas, antes, sendo as propriedades de cada uma preservadas, e concorrendo (ambas) em uma só Pessoa (prosopon) e uma só hypostasis – não partida ou dividida em duas pessoas (prosopa), mas um só e mesmo Filho e Unigênito, o Logos divino, o Senhor Jesus Cristo... (...)”

Esta é a famosa definição calcedonense da identidade pessoal de Jesus Cristo. O propósito principal do credo era afirmar uma encarnação verdadeira, não explicar seu mistério. As duas naturezas, embora permanecendo distintas, foram unidas na pessoa una de Cristo. No entanto, o credo não explicou como duas naturezas completas puderam ser unidas numa só pessoa. Pode-se concluir com segurança que o concílio conseguiu cumprir, por certo tempo, uma cerca protetora em torno do mistério da pessoa de Jesus Cristo. Ele, o credo, certamente deixou espaço para ulterior desenvolvimento.

Agora somos levados do credo de Calcedônia à Formula de Concórdia. Consideremos o ataque contundente de Paul Althaus: “Não se pode separar a natureza da pessoa. A personalidade humana é um constituinte essencial da natureza humana. Por consequência, a ‘anhypostasia’ abole a verdadeira humanidade de Jesus, seu ego humano que cria e orava, a verdade do fato de ele ser tentado.

O que a anhypostasia nega é que a natureza humana de Jesus existia ou existe por si mesma fora da Palavra, e a enhypostasia afirma que Jesus tinha existência pessoal, porém unicamente em e através da Palavra. A humanidade não é abolida ou mutilada, mas sim elevada e realizada em união com a pessoa, a hypostasis, da Palavra de Deus.

No Ocidente praticamente não houve qualquer desenvolvimento digno de nota ao longo da Idade Média, com exceção de um ressurgimento do adocianismo na Espanha do século VIII. Nesta concepção, Jesus, em sua humanidade, era o Filho adotivo pela graça de Deus (adoptivus homo). Esse ensinamento foi condenado em vários sínodos como reavivamento da impiedade nestoriana que dividia Cristo em dois filhos, o Filho de Deus eterno e o Filho do homem adotivo.

O problema cristológico foi levantado mais uma vez nas acaloradas controvérsias entre luteranos e calvinistas sobre a doutrina da comunicação de atributos (communicatio idiomatum). Lutero ensinava que, na Ceia do Senhor, o Cristo todo estava realmente presente, inclusive sua natureza humana, e, por conseguinte, também seu corpo e sangue. Zwínglio respondeu com sua teoria da alloeosis, que explica o discurso da fé acerca da presença real como uma figura de linguagem. Zwínglio disse que o Cristo humano não pode estar realmente presente na Ceia do Senhor, visto que é finito. Já Lutero ensinou a ubiqüidade ou onipresença, que é, essencialmente, um atributo da natureza divina, mas que é comunicada à natureza humana por causa da união encarnacional.

Depois de algum tempo, sistematizou-se a doutrina da permuta dos atributos em três gêneros, que, criam os pais luteranos, tinham o apoio da Escritura. Em primeiro lugar, há o gênero “idiomático”: qualidade de qualquer das naturezas podem ser atribuídas à pessoa toda. Em segundo lugar, há o gênero “apotelesmático”: ações da pessoa una podem ser atribuídas a uma ou outra das duas naturezas. Em terceiro lugar, há o gênero “majestático”: qualidades divinas, tais como onipotência e onipresença, são atribuídas à natureza humana. Os luteranos desejavam acentuar a unidade da pessoa divino-humana, correndo o risco monofisita de misturar as naturezas. Sua formula de combate era “finitum est capax infiniti”, o finito é capaz do infinito. Já os reformados diziam que não. Eles mantiveram uma clara distinção entre as duas naturezas, de modo que seu slogan veio a ser “finitum non capax infiniti”, o finito não é capaz do infinito.
Se o Logos é divino, então ele não podia se limitar à carne de Jesus.

Consequentemente, os calvinistas ensinavam que o Logos, sendo infinito, deve existir extra carnem (fora da carne) e não estar limitado por sua união com a carne. Os luteranos reagiam com uma teologia da cruz, sustentando que o Logos só pode ser conhecido na carne. Assim, cunharam a expressão “totus intra carnem” e “nunquam extra carnem” (totalmente na carne e nunca fora da carne)

O artigo VIII da Fórmula de Concórdia (1580) visava reconciliar diferenças entre a escola de Johannes Brenz (da Suábia) e a escola de Martin Chemnitz (da Baixa Saxônia). Esta fórmula tentou encontrar uma linguagem equilibrada para resolver as disputas, mas teve pouco êxito.

Só no século XIX houve um ponto de partida, por alguns luteranos, que foi mais satisfatório, usando a idéia de kenosis, sugerida por Filipenses 2:6s. do mesmo modo que os atributos divinos passaram à natureza humana, os humanos passaram à divina! Desta forma, o divino preenchia o humano em muitos aspectos, inclusive no auxílio para que Jesus não pecasse, e o lado humano preenchia o divino, inclusive no auxílio à humilhação e morte.

Schleiermacher, porém, era um dos que fizeram uma crítica à dogmática. Ele via a necessidade de usar-se uma linguagem mais filosófica nestas explicações, pois o homem moderno não consegue entender esta cristologia antiga, como disse ele. Adolf von Harnack tinha também pensamentos parecidos quanto ao valor dos dogmas. Tudo isto, devido ao fato de que, segundo eles, a igreja criou seus dogmas como produtos da “helenização” do cristianismo. Mas, na verdade, a igreja usou a linguagem que conhecia em sua época, como ainda hoje, continua desenvolvendo-se em seu linguajar teológico para explicar cada vez melhor as doutrinas bíblicas. Tillich, se referindo aos dogmas, disse que estes não são fins em si mesmos, mas que sempre estarão abertos a questionamentos.

A VERDADEIRA HUMANIDADE DE JESUS CRISTO

Quando busca-se o Jesus histórico, ao invés de pensarmos que está-se menosprezando sua divindade, lembremo-nos de que, na realidade, isto é indicação de que se leva a sério a humanidade plena de Jesus. O estudo crítico sobre Jesus começou no iluminismo.

Os estudos iluministas que levam a uma moderna biografia de Jesus, mostram-se falhas, pois cria-se um Jesus moderno, esquecendo-se de, antes de trazê-lo para o hoje, viver com ele no passado também, para entender-se melhor sobre sua pessoa humana enquanto aqui na terra.

Mas, a reinterpretação da cristologia no século XIX preferiu uma posição mais mediadora. Aceita-se a pesquisa histórica como base teológica, mas não à fé. Assim, a fé se interessa pela história de Jesus, não para se firmar, mas porque já é forte.
Um problema que surge nesta questão, porém, é a da “impecabilidade”, mas como vimos mais atrás, percebeu-se que Jesus, sendo também o Logos, não pecou, pelos limites que cada uma de suas naturezas lhe davam.

Outra pergunta que surgiu foi a seguinte, se Jesus assumiu a forma humana, então também assumiu a sua natureza caída do homem? Alguns tentaram responder que, se Maria era virgem, então não, pois o pecado é transmitido pelo esperma do homem! Mas, isto é sem nexo. Daí, a resposta comum foi, e é que, Jesus assumiu sim a condição existencial de nossa natureza humana caída.

Quanto à identidade do Jesus terreno e do Cristo ressurreto, chegou-se à conclusão que, são eles uma só e a mesma pessoa.

Falando agora de Jesus Cristo como o ser escatológico, o autor do livro diz que a ressurreição fez de Jesus o representante neste aspecto. Pois, se a esperança futura de todos é vencer a morte, Jesus, quando a venceu, mostrou-se o ser escatológico aniquilador da morte. Quando Cristo vence a morte, mostra que ele, na pessoa de Jesus, reaviva a imagem de Deus no homem, mas com perfeição. Assim, o homem em Cristo tem sua imagem de Deus refeita, e a prova disto, é que agora ele tem em Jesus, a vitória contra a morte. O Cristo ressurreto é o destino futuro de toda a humanidade.

A VERDADEIRA DIVINDADE DE JESUS CRISTO

Para a explicação deste assunto, DC entra na estória do Deus encarnado. Assim, como nota explicativa, o autor diz que Story, no original. Traduziram este termo por “estória” para diferenciá-lo de history, que traduzimos sempre por “história”.

Existem, no tocante a encarnação, duas reações opostas da parte dos estudiosos. São a reação conservadora, que rejeita a descoberta em defesa da fé tradicional. Dizem que a Bíblia contém verdade, e não mito. O acontecimento da encarnação foi real.

A outra reação é a liberal, que consiste em reconhecer a descoberta do caráter mítico da encarnação e então desmitologizar a fé cristã para torná-la relevante para o mundo contemporâneo. Nesta concepção, a estória da encarnação não essencial para a fé cristã.
Porém, não viu-se nenhuma das posições como adequadas para uma teologia cristã construtiva. Paul Tillich fala sobre a terceira abordagem, que é a interpretação do mito como estória, sem compreender seus elementos simbólicos literalmente, mas também sem eliminar seus aspectos históricos. Bultmann propõe o método de interpretação existencialista para salvar o querigma do mito. Se bem que, ao meu ver, a desmitologização bultmaniana foi exacerbada, podemos tirar dela seus auxílios, que não foram poucos! Desta forma, Deus não pode ser reduzido a uma termo da existência humana, então, o mito não é a realidade, mas a sombra da realidade, a maneira de se referir à realidade, é como se fossem as etiquetas colocadas pela igreja primitiva, sobre os acontecimentos que viam e ouviam.

Na verdade, a igreja tomou emprestado a linguagem do mito e da história para descrever e interpretar o Logos de Deus. Os deuses gregos não eram como o nosso, e isto os primeiros cristãos sabiam, então, é claro que eles não confundiam Cristo com Zeus, por exemplo, mas, a linguagem a qual usava-se aos deuses gregos, era a única que eles conheciam, então, usavam esta linguagem, se bem que bastante transformada, adaptada à Cristo, quando se referiam ao Logos de Deus.
Duas correntes tentaram explicar esta questão sobre a realidade de Deus. Foram os adocianistas e ebionitas: Jesus não era, para eles, verdadeiramente Deus, pois Deus não pode sofrer. A outra maneira era a dos docetas e monofisitas: Cristo era Deus, mas não seus sofrimentos.

Porém, o Deus de Israel não era assim, pois o Deus descrito na Bíblia, é o Deus que sofre com o Filho. Deus sofreu por sua liberdade em amor. Se Deus estava em Cristo, então o sofrimento tornou-se parte da experiência de Deus. Na verdade, só se compreende o verdadeiro ser de Deus e da humanidade à luz do Cristo crucificado, como inferiu Martinho Lutero. Lutero chamou isto de “alegre permuta”.

Isto, consequentemente, nos leva a afirmar a divindade de Cristo. A igreja primitiva respondeu à proclamação apostólica do ato redentor de Deus em Cristo na linguagem da oração, do louvor e da ação de graças. A cristologia ontológica se expressa aqui neste ponto, pois a natureza e os atributos de Deus, que sempre foram utilizados na doxologia ao Pai, passa a ser usado na adoração cristã do Filho. No N.T. não há um divórcio entre o ser de Cristo e sua missão, confirmando o fato de que Jesus não é só o Filho de Deus em algum sentido subordinado, mas é de fato Deus.

Na realidade, o conselho nos dado pelo autor, é que, se quero superar os efeitos ruins exercidos pela metafísica grega sobre a cristologia clássica, devo achar uma melhor, e não optar por absolutamente nenhuma. Na verdade, a cristologia nunca poderá ser amarrada em conceitos temporais, porque ela trata de um ser atemporal.

Jesus Cristo, como apresentado em DC, é o perfeito representante de Deus aos homens, e o perfeito representante dos homens a Deus. Não é que Jesus se adaptou à nossa noção de Deus, mas, na verdade, nós reconhecemos nele, o que devemos realmente pensar sobre Deus. Olhamos para Jesus e dizemos: “Não há outro Deus”. Senão, ao invés de cristologia, deveria ser jesulogia. E isto, só podemos fazer pela força mediadora do Espírito Santo, que torna a cristocentricidade de Jesus presente e real em nossas vidas.

A encarnação, basicamente falando, é o auto-esvaziamento de Deus de tudo que separava o Criador da criação, é a auto-entrega de Deus a outros para reconquistá-los. Deus pôde fazer isso por causa da liberdade do amor divino, e não por necessidade pessoal.

A HUMILHAÇÃO E EXALTAÇÃO DE JESUS CRISTO

A preexistência de Cristo faz parte do mito da encarnação. Paulo e João, no seu evangelho, foram os que mais se referiram a este assunto. Na verdade, se Cristo não fosse preexistente, existiria dúvidas ainda de se a nossa salvação realmente seria real e eterna. Ora, só o Deus eterno pode conceder salvação!

Até o seu nascimento virginal mostra a sua preexistência. Mas, é daqui mesmo que surge uma pergunta conflitante: como poderia Jesus ser como nós em todos os sentidos, se realmente não tinha um pai humano? O conselho primordial do autor do livro o qual aqui comentamos, é que a estória nunca deve se atolar na biologia. A verdade de seu nascimento virginal é que Deus mostrou, através deste fato, que ele estava agindo no processo de salvação desde o momento do nascimento de Jesus. Com o nascimento de Cristo através do Espírito Santo, Deus estava mostrando que Jesus não iria ser adotado pelas coisas que fez, simplesmente, mas que antes de mais nada, já era o Filho de Deus.

Tudo isto atingiu seu clímax no sofrimento e morte de Jesus. Ali foi seu esvaziamento total. Agora, para que se examine a cruz em um sentido existencial, deve-se, antes de tudo, crer nela como um fato histórico. A crucificação de Cristo aconteceu uma vez só na história, e não acontecerá mais. O simbolismo e o poder da mensagem da cruz sim, pode ser passado de geração em geração.

Agora, a questão fica mais extraordinária quando no livro DC comenta-se sobre o descenso de Jesus ao inferno. “Inferno” é uma tradução do termo grego hades, que designa a morada dos mortos. Posteriormente foi que a teologia criou uma doutrina que ensina que a pessoa ou ia direto para o céu ou para o inferno, com exceção de alguns que iam antes para o purgatório. O inferno é considerado o domínio de Satanás, e Cristo devia libertar-nos também deste poder. Por isto, desceu até lá!

Quatro outros fatos ocorridos na vida de Jesus, foram de supra importância, segundo o autor, para a cristologia, que foram: a ressurreição, a ascensão, o assentar-se à direita de Deus e a sua vinda em glória. A ressurreição de Cristo é descrito como o ato pelo qual Deus o tirou de sua humilhação e o exaltou, provando que Jesus era tudo o que disse que era. Se Jesus não tivesse ressuscitado, sua causa teria perecido com ele. Na sua ascensão, vem a prova de que ele foi para o Pai. E, além de ir para o Pai, Jesus, com a ascensão, cria a possibilidade de estar conosco através do Espírito Santo. A ascensão é tida como um avanço, e não como um simples retorno ao estado anterior. Além de ser assunto ao céu, Jesus senta-se à direita de Deus. Direita é símbolo de poder e governo. Jesus agora rege os corações, não mais estando preso a seus limites enquanto na carne. E, por fim, a última questão comentada no livro DC, que foi a vinda de Jesus em glória. Isto significa que um dia nos encontraremos com ele novamente, porém, também nos carrega de responsabilidades, pois ele virá e nos julgará. O bom é que este julgamento, para os cristãos, não tem um valor negativo, pois o seu Juiz é Jesus Cristo, o Justo. Jesus será o Juiz porque ele é a essência de tudo o que deve ser um ser humano. Desta forma, não seremos julgados por uma lei diferente a nós, mas por uma lei criada pelo Deus que foi um de nós.

A UNICIDADE E UNIVERSALIDADE DE JESUS CRISTO

Jesus é o único meio de salvação. E isto, ele ganhou como herança, é a herança de exclusividade. O catolicismo romano pegou esta exclusividade é jogou para a igreja. A questão que surge, disto, é se a salvação pode ser provinda de outras religiões ou não! Vivemos num mundo com pluralidade de religiões. As respostas reais sobre Deus, encontram-se em Cristo, então, para alcançar-se a salvação, é só através dele.

João Batista mandou perguntar se Jesus era aquele que haveria de vir, ou se deveriam esperar outro! A resposta da igreja era, ele é o Messias. É só no nome de Jesus que há salvação. A resposta a João é sim, não devemos procurar outro.

Mas e a universalidade de Jesus? É aí onde encontra-se o cerne da questão! Ele é universal porque é único. Se é salvador, é salvador universal, pois o mundo inteiro precisa de salvação. Se Jesus é o salvador universal, isto implica então que não há salvação em outras religiões! Mas, não devemos temer o diálogo com outras religiões, pois elas foram as ajudadoras, no princípio da igreja, a emprestarem termos para a nossa fé. Pode-se falar em salvação fenomenológica e teologicamente. A salvação temporal é a fenomenológica, e isto algumas religiões podem oferecer, mas a salvação teológica, é a eterna, e esta, só Cristo pode oferecer! Se a salvação for só iluminação, Buda pode salvar! A salvação da morte é a maior de todas, e esta, só o poder do sangue de Jesus Cristo tem.

A cristologia não é estática, por isso, do mesmo jeito que emprestamos de outras religiões no passado, termos que nos valem até hoje, e outros que foram mudando durante a história, sendo também, algumas vezes, emprestados de algumas outras religiões, podemos hoje enxergar as demais religiões como grupos que buscam descrever a sua fé através de mitos, e mitos estes, que podem ser inteligentes e aproveitados para nós também! Jesus quer se fazer entender em uma linguagem a qual conhecemos. Deus não está sem testemunha nestas religiões. Não há dois caminhos de salvação, mas um só.

Sem nadas mais graça e Paz da Parte de Nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo